Texto por Marco Fialho
A Luz é daqueles filmes que almejam traçar uma ideia sobre o mundo, aqui no caso, uma ideia pessimista de que tudo está um caos e sem solução, e que a cada momento nos afundamos mais e mais na decadência, nos entregamos ao individualismo, ao mercado. O diretor Tom Tykwer (Corra Lola Corra) aborda tudo isso a partir da vida de uma família de classe média alemã, os Engels (o sobrenome do famoso pensador Frederich Engels não deve ser negligenciado), onde o pai e a mãe trabalham o dia inteiro.
Tom Tykwer usa a presença de uma nova governanta, Farrah (Tala Al Deen), uma refugiada síria, como uma virada de chave nessa família disfuncional, onde a filha Frieda (Elke Biesendorfer) se droga com os amigos, o filho Jon (Julius Gause) vive o videogame, a mãe Milena (Nicolette Krebitz) trabalha em um projeto na África e o pai Tim (Lars Eideinger) numa empresa de marketing. Apesar de residirem na mesma casa, cada um leva uma vida independente dos outros membros da família. Ainda tem Dio (Elyas Eldridge) um menino fruto de caso da mãe com um homem que conheceu no Quênia.
Ao meu ver, esse é um filme onde o diretor ocupa-se tanto com a forma e com o estilo que eles se transformam em algo que obscurece o próprio tema. O tema vai a cada cena se enevoando enquanto os truques e pretensões narrativas se colocam acima, tornando o filme cansativo e esnobe. Até mesmo o uso da chuva torna-se exagerado, pois ela não só jamais cessa como cai com força durante dias consecutivos. Os musicais são tortuosos e estranhos, e são mais um elemento a priorizar a forma ao conteúdo. Tom Tykwer se preocupa mais com as sensações do que realmente refletir sobre a família e a problemática do refugiados.
A luz referenciada no título do filme, vem um aparelho que Farrah manipula para trabalhos espirituais, que possibilita insights ou como diz Farrah, "uma experiência artificial". Em paralelo, Farrah tem encontros com seus dois filhos e o marido, em uma sala cinza e fria. O diretor imputa dor para todos os lados, sendo que o filme assume o discurso que essa família branca representa os privilegiados responsáveis pela catástrofe do mundo. Essa ideia, não deixa de ser reducionista, pois os interesses em torno das guerras e explorações econômicas sequer são citadas, ficam fora de contexto, o que encaminha o filme para uma perigosa encruzilhada simplista. Se a forma é ousada, o conteúdo soa frágil e sem consistência.
A impressão que tive foi de personagens ocos, espalhafatosos, mas superficiais. Alguns chavões são citados a cada cena, apesar de Tykwer se esforçar para fugir dos clichês, as ações sempre desesperadas e exageradas dos personagens caem em um ciclo criativo obrigatório, tudo precisa ser inusitado, parecer diferente do convencional e isso torna-se também uma convenção. A questão dos refugiados vira mais um pretexto para se explicitar mais a família Engels. Eles não chegam a ser personagens efetivamente, com subjetividade. Em verdade, nem Farrah, que apesar de aparecer muito em cena, pouco a conhecemos, pois o que ela faz é preencher os inúmeros vazios da família Engels.
Mesmo que visualmente e sonoramente A Luz seja um filme corajoso e ousado, ele não consegue sair do terreno do apelativo e chegar a algum lugar efetivo. Aposta na visão caótica do mundo, na desesperança e no pior das pessoas e das situações. Reconhece a decadência das relações, mas apela para soluções mágicas e esotéricas para aproximar as pessoas. Às vezes, pretensão demais atrapalha mais do que ajuda.
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