Texto por Marco Fialho
Pode-se dizer que A Lenda de Ochi nos faz relembrar os bons filmes de fantasia da Hollywood dos anos 1980. São obras como Labirinto (1986), Os Goonies (1985), O Feitiço de Áquila (1985) e A Lenda (1985), que tinham como proposta criar um universo lúdico, que embora próximo ao nosso de alguma forma o reinventava com seres imaginados e uma perspectiva de que o mundo poderia ser algo diferente e esperançoso.
Em A Lenda de Ochi, temos um mundo com aparência contemporânea, mas repleto de uma natureza rústica, com animais selvagens como lobos, ursos e os tais lendários Ochi (que mais parecem um tipo de primata). Essa é uma lenda inspirada nas paisagens dos Cárpatos, região búlgara e que muito lembra aquelas histórias medievais com feras indomáveis e perigosas. O diretor Isaiah Saxon investe muito nessa atmosfera medieval, inclusive ao vestir Maxin (Wilem Dafoe), o pai da protagonista Yuri (Helena Zengel) com armaduras dos guerreiros medievais.
Se inicialmente tudo sugere um clima propício para o terror, aos poucos imergimos em um mundo mágico e fofo, por meio de um bebê Ochi que Yuri salva e passa a cuidar. Na trama, Yuri passa a proteger o filhote Ochi do grupo armado do seu pai que quer matar todos os Ochi que encontrar pela frente. A coisa é tão séria que há um toque de recolher das 20h às 06h da manhã. Há uma certa ingenuidade no roteiro, que poderia ser melhor fundamentado, sendo dado mais relevância à atmosfera do lugar do que ao desenvolvimento de uma história mais coerente. O filme não avança em relação ao conflito entre o passado arcaico defendido pelo pai, que insiste em viver sob a sombra de uma lenda que já não dá mais conta do mundo de hoje, com a filha que acredita na superação do passado pela harmonia entre todos os seres do lugar.
O cuidado da atmosfera lança o filme a um esmero visual interessante, uma fotografia que mescla momentos sombrios com cores lancinantes, apoiada numa direção de arte que realça a beleza de um mundo em reconciliação consigo mesmo. A personagem de Yuri é a responsável por atribuir afetos onde antes não havia. Ao mundo intolerante, ela instala a compreensão e a capacidade de diálogo, extraindo a força bruta que sempre regeu aquele ambiente hostil de antes. O filme possui muitas cenas mágicas, onde a reconexão é o mote de novas fontes de afeto.
Mesmo que o roteiro seja frágil, as interpretações conseguem dar um colorido diferente e chamam bastante atenção positivamente. Não só Wilem Dafoe está ótimo como o pai rústico, mas também Emily Watson como a mãe que abandona a família para viver isolada nas montanhas, em busca de novas conexões que o mundo de Maxin não oferecia. O lado dela com a magia é um ponto fundamental para contrapor ao mundo militarista do ex-marido.
A Lenda de Ochi brilha demais na parte musical. O som contemporâneo do rock volta e meia se mistura à atmosfera de aparente paz da região selvagem dos Cárpatos. Creio ser essa parte musical a mais inventiva do filme, a que forja uma necessidade de atualizar os parâmetros culturais defasados do passado. A roupa amarela incomum de Yuri também cria esse diálogo entre o que é antigo e o que é contemporâneo. O amarelo dela representa uma cor única para o local, um destaque de quem tem a capacidade de transformar o mundo a sua volta.
Mas A Lenda de Ochi não deixa de ser uma espécie de road movie, com Yuri experimentando novas possibilidades e descobrindo caminhos em sua saga para levar o bebê Ochi para o seu lar de origem. O reencontro com a mãe, uma curandeira, também participa nesse mergulho que Yuri faz em sua busca por uma forma transformadora de se relacionar com o mundo, aceitando o outro e a alteridade como parte dele. O ato dela aprender a língua dos Ochi é uma demonstração desse movimento por uma outra maneira de interagir com o mundo.
Essa talvez seja a maior magia desse filme, que aos poucos, até com uma lentidão não tão comum nas obras vindas de Hollywood, nos faz embarcar nesse mundo de fantasia, que nada mais é do que o estabelecimento de outras formas de se relacionar com o ambiente e com os seres existentes no Planeta, sem hierarquia e com total empatia.
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