Texto por Marco Fialho
Tem filmes que são surpreendentes, inesperados e desconcertantes. Esse é o caso de Você é o Universo. Jamais podia esperar uma ficção científica, inteiramente passada no espaço, ser realizada na Ucrânia. O filme todo praticamente temos apenas um ator em cena, o que é mais incrível ainda é o fato dele não ser cansativo em nenhum momento.
A realização é fantástica? Sim. Tem efeitos bem elaborados e convincentes? Sim. Mas o que mais impressiona é a sua capacidade de lançar reflexões filosóficas existenciais profundas. Saímos do filme virados de ponta à cabeça, pensando acerca do que estamos fazendo aqui, como estamos vivendo e encaminhando nossa vida. O mais interessante de Você é o Universo não são seus efeitos especiais, mesmo que esses sejam incríveis, mas a sua capacidade de conexão entre o personagem Melnyk e o público, a maneira como o diretor Pavlo Ostrimov consegue fazer dessa experiência individual algo universal, e não digo isso como um mero jogo de palavras.
Outra reflexão que o filme traz é em relação à força das palavras, especialmente quando estamos nos sentidos desamparados ou perdidos, que é a situação do cosmonauta Andriy Melnyk (Volodymyr Kravchuk), que vê o mundo literalmente se acabar numa explosão lá do alto do espaço. A perplexidade que esse argumento traz para o espectador já é por si só desorientador. E esse fato coloca Melnyk numa cilada incontornável, pois o seu tempo de vida se restringe à quantidade de alimento que tem disponível na aeronave.
A atuação de Volodymyr Kravchuk é arrebatadora, ele domina o espaço cênico com muita desenvoltura, trabalhando com emoções variadas e por vezes extremadas de ódio, tristeza, alegria e ansiedade. Sua solidão não é passageira, restrita ao momento em que está na aeronave, já vem da Terra, onde também era um solitário, uma pessoa difícil de interagir com as outras. Na aeronave ele só tem a voz de Max, um computador especialmente programado para lidar com ele no espaço. Inclusive, essa é uma das referências que Ostrimov faz ao clássico 2001, Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Outra citação, essa mais direta, é o uso em tom cômico do tema da música de Strauss, Assim Falou Zaratrusta, hoje emblemática para qualquer obra que queira citar a obra-prima de 1968.
Como Melnyk está só no espaço, as vozes vindas do do comando na Terra, a do computador e de outras aeronaves funcionam como um artifício para quebrar a monotonia, tanto do personagem quanto da própria narrativa. Por isso a chegada da voz da astronauta francesa Catherine serve como um verdadeiro oásis para Melnyk. Além de um alento, a voz dela é a única esperança de vida que ele tem. E a direção de Pavlo Ostrimov é extremamente feliz em conseguir costurar a necessidade humana de ser querido, do quanto precisamos emocionalmente do outro para viver. Catherine representa esse sopro de esperança do encontro de almas. Depois de muita conversa sedutora trocada entre eles, Melnyk se lança na aventura de resgata-la, mesmo sabedor que ela está muito distante e as duas aeronaves não dispõem de forças para concretizar esse desejável encontro.
Você é o Universo é um dos filmes mais cativantes dos últimos tempos, possui uma tristeza intrínseca que comove. A cena final entre Catherine e Melnyk pode até ser meio piegas, mas é indubitavelmente uma das mais tocantes e humanas que o cinema já proporcionou, uma das histórias de amor mais originais já filmadas. Cada detalhe dessa sequência derradeira evoca muitos sentimentos de pertencimento. A câmera se afasta não só para nos distanciar e anunciar o fim do filme, mas também para celebrar uma magia que de certa maneira nasce naquele preciso instante, o começo de um amor verdadeiro e eterno. A vontade de estar junto é tanta que Melnyk viaja anos luz para poder escolher como morrer, já que não pode escolher como viver durante toda a sua vida. E essa é uma ideia tanto triste quanto fascinante.
Seu texto é certeiro e maravilhoso! Filme sensível e muito peculiar.
ResponderExcluir