Texto por Marco Fialho
Uma delícia! Essa é uma primeira impressão que temos ao deixar a sala de exibição após assistirmos ao radioso documentário Viva Marília, dirigido por Zelito Viana, com a codireção de Esperança Motta e roteiro de Nelson Motta. É, sem dúvida, uma homenagem à altura do talento de Marília Pêra, uma das grandes artistas de nosso país. Um filme que conta com a participação do filho e das filhas, mas cujo maior atrativo é repassar a vida dela por meio de sua voz, trabalhos e depoimentos.
É muito difícil retratar uma personagem que possui uma trajetória longa e de imensa expressão artística, reconhecida pelo destacado talento. Essa multiplicidade de possibilidades é o maior adversário do documentarista. Entretanto, Zelito Viana acerta em cheio ao construir um filme ao mesmo tempo solto, sem amarras cronológicas, o que engessaria a proposta, e preciso ao deixar a própria personagem narrar fatos de sua vida.
A montagem de Jordana Berg é de uma sensibilidade e agilidade impressionantes. A costura entre as cenas são fascinantes, o filme passa por nós como um rio tranquilo, daqueles que sentamos em uma pedra em sua margem para admira-lo passar com a força justa das águas, com águas nem excessivamente caudalosa, nem beirando a secura. O tempo é exato, no ponto certo, daqueles que nos deixam querendo mais, não porque falta algo, mas porque queremos mais desse prazer. Não são as datas que determinam a ordem que elas aparecem e sim as temáticas que vão se puxando e amarrando, e isso sem que sequer percebamos esse fato. Merece destaque ainda Remier Lion pelo trabalho minucioso de pesquisa de imagens de arquivo, inclusive o filme é composto apenas delas.
Viva Marília faz dela Marília algo tão presente, tátil mesmo. Apesar das datas dos trabalhos estarem lá o tempo todo, o tempo parece suspenso. Marília está tão sólida em cada depoimento e trabalho visto, um tipo de talento raro que comove, que nos faz admirar cada fala encantadora e repleta de amor pelo teatro, pela música, pelo palco, pelo cinema e pela música. O filme nos envolve desde à infância de Marília Pêra, onde o palco já possui desde meses de vida um significado. A origem artística da família, do pai e mãe ator e atriz, da avó também atriz, uma linhagem verdadeira, de quem comeu a poeira do palco desde sempre.
Outro grande mérito de Zelito e Esperança é o de inserir, sem forçar a menor barra, Marília Pêra na própria história da cultura brasileira, mostrar como ela esteve em momentos cruciais no teatro como Roda Viva (1968), de Zé Celso Martinez Corrêa e nas novelas que popularizaram sua imagem como Beto Rockefeler (1968), O Cafona (1971), Bandeira 2 (1972). E o que dizer do cinema, a inesquecível e arrebatadora personagem de Pixote (1981) e Central do Brasil (1998). Ainda tem os musicais, que a princípio tinha uma influência e admiração pelo trabalho da mãe, mas depois explodiu numa potência extraordinária, como em Estrela Dalva (1987), Elas Por Ela (1989).
Marília Pêra foi uma artista que chamamos de completa, por abarcar todos os talentos desde a dança, até o canto, passando pela interpretação, área que dominou de maneira intuitiva, sem passar por escolas de teatro, embora tenha estudado balé, canto e piano. O seu talento inquestionável lhe rendeu um raro elogio vindo da polêmica e ranzinza crítica de cinema estadunidense Pauline Kael, que implicava até com o genial Orson Welles. Viva Marília é aquele documentário para se deixar levar, realizado com leveza e profundidade, e ideal para reafirmar mais uma vez o talento brasileiro para a arte,
Contudo, um documentário é feito de muitas lembranças e alguns esquecimentos. No caso de Viva Marília, a direção passou ao largo do polêmico apoio público que a atriz deu a Collor de Mello, nas eleições de 1989. Afinal, qualquer ser humano é feito de acertos, mas também de erros. É compreensível e natural que filmes tributários corram o risco de sublinharem apenas os pontos positivos de seus personagens.
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