Texto por Marco Fialho
Tem diretores que tem uma joia em mãos, mas deixa escapar a boa oportunidade ao ficar na superfície dos fatos, ou melhor, não consegue ir além dos fatos. É o caso de Marek Sulik com seu documentário Sra. Presidente. Mas o que falta ao filme para ele ser visto como um filmaço? Ao meu ver, falta uma contextualização melhor fundamentada. Talvez para quem more na Eslováquia, ou República da Eslováquia como alguns preferem chamar, o material possa dizer algo a mais, já para quem não conhece aquela realidade, tudo soa muito personalista e descritivo demais.
O documentário Sra. Presidente começa com o final do pleito presidencial, em que vemos Zuzana Caputová prestes a se eleger a primeira mulher presidente do país para o mandato de 2019-23. Não se sabe muito bem quem é essa mulher, de onde ela vem, como ela vê a política e qual o seu perfil ideológico, embora perceba-se um traço mais liberal dela em meio a uma extrema direita avassaladora e misógina. É estranho que o documentário fique tanto nela e tão pouco saibamos dela. A direção parece estar inebriada com a figura vaidosa da presidente e fica muito atenta a detalhes curiosos como sapatos, tênis, roupas e pouco informa ou se cerca da política local e quando o faz enfoca de maneira igualmente personalista a oposição.
Um dos pontos que mais chamou minha atenção foi a música que sempre deixa margem para um estranhamento com a imagem. Uma pena que a direção trate mais Zuzana como uma estrela de cinema do que como política e se concentre em mostrar a sua preocupação excessiva com a aparência. No plano da política, o documentário frisa uma pauta vazia do tal combate à corrupção (estranho e moralista como plataforma política) e o choque com políticos na composição do governo, depois que a oposição tem votação expressiva na eleição do parlamento, que elegerá o primeiro-ministro.
Esse enfoque exagerado na rotina de Zuzana cansa um pouco a narrativa, que pede um algo mais que não vem. O filme se salva do pior ao abordar com eficácia a campanha agressiva nas redes sociais contra Zuzana, com ofensas pessoais de baixo calão. Essa misoginia é determinante para o desgaste da personagem, em um país machista e que não aceita ver uma mulher ocupando o mais alto cargo da política eslovaca.
O apoio de Zuzana a Zelensky na guerra da Rússia e da Ucrânia será fundamental para a sua derrocada política, já que parte da população da Eslováquia é dividida quanto à apreciação a Putin. Esse apoio abre uma oportunidade para que a extrema direita do país a chame de lacaio dos Estados Unidos e da Otan, e para que mais xingamentos sejam direcionados a ela.
O filme segue de modo observacional a rotina de Zuzana, mas nota-se que as decisões políticas mais importantes, a produção não tem acesso, já que as portas são constantemente fechadas para a equipe do filme. Assim, a discussão política vai sendo jogada para o escanteio e ficamos perdidos nas reais motivações das hostilidades e das discórdias entre os principais grupos políticos em disputa por espaço de influência.
Uma passagem bem interessante de Sra. Presidente ocorre na visita do Papa Francisco ao país, que se faz concomitantemente com o agravamento do estado de saúde do pai de Zuzana, embora até esse encontro fique comprometido por uma visão muito restrita dessa visita papal. O diretor Marek Sulik filma durante 4 anos o governo de Zuzana e o resultado termina por ser frustrante e sem grandes atrativos cinematográficos, já que pouco conhecemos das práticas políticas de Zuzana e dos demais políticos que estão na oposição ao seu governo. Essa é uma baita de uma oportunidade que vai para o espaço por falta de ousadia na abordagem, mesmo que valha para demonstrar o quanto de ódio é direcionado a Zuzana pelo simples motivo dela ser uma mulher em um cargo de comando.
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