Texto por Marco Fialho e Carmela Fialho
Mais um filme de Alexandros Avranas, grande diretor grego, chega ao Brasil, agora pelas mãos da distribuidora Imovision. Se em Miss Violence a direção de Avranas mostrou todo o peso de suas mãos, agora com Síndrome da Apatia a dose é igualmente forte e dilacerante, sendo que este é baseado em uma história real e para lá de sinistra.
O cinema de Avranas é um cinema que não negocia com discursos ou poderes estabelecidos, seja na Grécia ou na Suécia, país abordado em Síndrome da Apatia. O diretor trata da entrada massiva de imigrantes russos na sociedade sueca, onde o governo investiu tão pesado contra eles que faria inveja até a Donald Trump. O esquema oficial é humilhante, com um controle exacerbado dos imigrantes, sem que dê uma contrapartida sequer e logo na primeira sequência, a da vistoria do imóvel do casal Sergei e Natalia tentam que seu visto de permanência seja aprovado e eles percam a mancha de refugiados.
No melhor estilo Avranas, Sindrome da Apatia reflete na narrativa e encenação a secura da sociedade e dos agentes do governo. O abuso dos planos fixos bem.demonstram essa visão deliberada e pessimista das relações humanas na contemporaneidade. O terror e o temor são tantos para os imigrantes, que diversas crianças desenvolveram uma síndrome, em que ficam um longo período (pode chegar a dois anos) em um estágio de coma. O mais terrível dessa situação é que esse fenômeno é real e só na Suécia já são milhares de crianças nessa situação.
Na trama de Síndrome da Apatia, as duas filhas do casal Sergei (Grigory Dobrygin) e Natalia (Chulpan Khamatova) são acometidas da doença. Se o governo é implacável na inspeção das casas e das condições em que cada família vive, na hora de prover o tratamento se mostra pouquíssimo eficaz, deixando as crianças ao deus-dará. O maior amparo vem de Adriana (Eleni Roussinou, que volta a trabalhar com Avranas), uma ex-refugiada que conseguiu visto de moradia depois que o filho apresentou a tal síndrome da apatia, que deixou sequelas profundas em seu filho Yiuri.
Síndrome da Apatia é um filme que adentra no universo do controle do Estado sobre os corpos, principalmente dos refugiados russos na Suécia. A apatia é uma forma das crianças se desligarem do mundo adulto que traz insegurança e deixa claro a todo o tempo que os refugiados não são bem vindos. As crianças são submetidas às pressões de abandonar seu país, sua casa, sua escola, e principalmente, sua língua mater.
Mas Avranas mostra como sabe trabalhar tanto com o drama quanto com o humor, e o cômico chega na mesma secura do drama e com a acidez necessária. Tornar ridículo o sistema é a forma que o diretor escolhe para evidenciar o quanto os métodos oficiais são patéticos e humilhantes. Dessa forma, o casal precisa aprender a sorrir como o sistema quer, em um jogo que é pura simulação de felicidade e bem-estar.
A cena onde os pais e as filhas são humilhados pelo setor de imigração que nega o asilo é de uma desumanidade atroz, levando o pai a um ataque histérico mostrando a sua cicatriz. Outra cena forte é a da filha Alina também no setor de imigração, tentando interpretar o ataque sofrido pelo pai por agentes da repressão na Rússia, que na verdade foram presenciados pela irmã, que estava em coma com síndrome da apatia. Ela foi desmascarada na mentira pelos agentes da imigração e após essa situação de estresse também entrou em coma. O diretor lança mão de muitos closes para desenvolver uma mise-en-scène em que os atores transparecem a vulnerabilidade, angústia, insegurança, prisão e ansiedade. A sensação de prisão já começa na primeira cena, com portas fechadas e continua por todo o filme, com interdições dos pais terem acesso às filhas em coma e no setor de imigração que ficam trancafiados até o pai se acalmar para serem liberados.
Apesar de Avranas ratificar cena a cena a aspereza da situação dos imigrantes, ele permite em paralelo, que o afeto sobressaia em diversos momentos, em especial depois que Natalia retira as filhas Alina (Naomi Lamp) e Katja (Miroslava Pashutina) do cuidado do Estado e as leva para casa. Passeios de carro em um estacionamento, em especial um banho de piscina para lá de carinhoso entre pais e filhas.
Essas cenas mais afetuosas não deixam de salientar um amadurecimento narrativo do diretor, e abre possibilidade para além do seu cinema sempre tão inflexível tanto na forma quanto no conteúdo. O lado irônico chama a atenção como um elemento novo na mise-en-scène de Avranas, por se usar do deboche como uma arma contra a bizarrice de um mundo dito civilizado, como o sueco, frequentemente associado ao bem-estar, mas que não se furta ao tratar pessoas como algo descartável.
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