Texto por Marco Fialho
Não deixa de ser interessante ver Steven Soderbergh passeando pelo terror psicológico em seu mais novo filme chamado Presença. Fica evidente a pouca familiaridade do diretor por esse gênero, já que o filme estruturalmente se arquiteta mais como um drama do que como um suspense. Mas esse detalhe não deixa de trazer um aspecto mais sóbrio a Presença e isso é notório logo na primeira cena em que a câmera está colocada na parte de dentro da janela, como se alguém olhasse a chegada de uma pessoa à casa. Esse fantasma já está ali, portanto, bastante naturalizado no campo diegético. Ele fantasma não promove maldades ou algo do tipo, o que faz a gente crer que o mal estaria no mundo, não ali no interior da casa.
Presença foi inspirado em uma casa em que a família de Soderbergh morou, que no passado havia acontecido um assassinato, em que a mãe foi morta pela filha. Embora tudo pareça ser ameaçador ou instaurar uma tensão, o que vemos é uma atmosfera familiar e sem sustos, isso porque jamais ficamos com medo ou dúvidas desse fantasma. Soderbergh realiza as cenas do filme exclusivamente no espaço da casa, explorando quartos, cozinha e sala como ambiência na qual fantasma e família convivem quase sempre com harmonia.
Um dos elementos que Soderbergh traça em seu filme é de fazer dessa presença fantasmagórica o ponto de vista único da narrativa. Assim, o diretor optou pelo uso do plano-sequência, como se seguíssemos o olhar dessa fantasma, que a que tudo indica seria de uma mulher. Inclusive os cortes são sempre realizados em tela preta, como se o fantasma estivesse sempre ressurgindo para narrar uma nova cena.
Pensar a família tal como ela se apresenta no filme pode trazer boas reflexões. Que família é essa? Quais conflitos ela nos traz? Ela é composta por uma casal de meia idade, um filho e uma filha, ambos adolescentes. Rebecca (Lucy Liu), a mãe tem uma nítida preferência por Tyler (Eddy Maday) e Chris (Chris Sullivan), o pai, um cuidado extra com Chloe (Callina Liang). O casamento deles tende ao declínio e a relação entre Tyler e Chloe bem tenso. Chloe tem um agravante, ela perdeu duas amigas do colégio recentemente. Nesse contexto, entra em cena Ryan (West Mulholland), um amigo de Tyler que começa a flertar com Chloe.
Vale ressaltar que o desenvolvimento de Presença, não deixa de confluir, pelo menos em um tema determinante, com o sucesso da Netflix, Adolescência, como o ódio pelas mulheres de um homem. Há nesses dois casos, não só uma flagrante misoginia, mas uma violência desmedida e chocante às mulheres. O que está acontecendo no cinema dos Estados Unidos para que esse tema seja tão recorrente? Devemos estar atentos, pois trata-se de um fato preocupante e uma forma de manifestação de decadência de um modelo de família e sociedade.
Entretanto, quais seriam os maiores acertos e equívocos de Presença? O maior acerto está em como Soderbergh esconde a presença do psicopata na trama, mas falha feio ao forçar a salvação de Chloe, inclusive se utilizando de uma solução bem manjada nos filmes de fantasma. Soderbergh conduz com habilidade os planos-sequências ao realiza-los em cenas curtas, que não comprometem a fluidez da mise-en-scène. Talvez a fotografia seja um elemento cênico que acrescente ou acentue o mistério pretendido.
Mas o que fazer quando comprovamos que o suspense de Presença dura muito pouco e nem chega realmente a tocar emocionalmente o público. Esse é um filme válido pela experiência de Soderbergh no terror, mesmo que o resultado final fique no plano do morno. Os diálogos entre os personagens não fogem do esperado, tanto na relação do casal quanto deles com os filhos e da filha com o pretendente. Até a presença da médium soa como um grande déjà-vu.
Presença é um filme com boas interpretações, uma encenação que se pretende inusitada, mas calcada em um roteiro (em parceria com o experiente David Koepp) sem grande imaginação. Se não chega a decepcionar no todo, tão pouco impressiona. Ao assistir ao filme, me lembrei do discurso que Steven Soderbergh proferiu em 1989, logo depois de ganhar a Palma de Ouro por Sexo, Mentiras e Videotape, no prestigiado Festival de Cannes, quando ainda não tinha nem 30 anos de idade: "depois de ganhar tão jovem esse prêmio tão ambicionado pelos grandes diretores do mundo, só me resta agora esperar a decadência precoce". Nunca Soderbergh foi tão certeiro.
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