Texto por Marco Fialho
Apesar do nome Emmanuelle nos remeter diretamente ao clássico filme dos anos 1970, o filme de 2025 não se trata exatamente de uma refilmagem, pelo menos em um viés costumeiro dessa palavra, já que vários aspectos da obra original foram modificados e relidos para os nossos dias. O desejo mais evidente da diretora Audrey Diwan é o de trazer para a contemporaneidade uma nova visão acerca da sexualidade feminina, um desejo de atualização nesse contexto, o de ver o corpo da mulher não mais como um simples objeto para a satisfação do olhar e da libido masculinos.
Entretanto, essa atualização não pretende ser algo sectário ou mesmo almeja trazer um discurso feminista explícito. O feminismo está ali sim, mas está incorporado às ações e falas, não como discurso direto, mas na própria construção da personagem. De certa maneira, Emmanuelle é um filme sobre o desejo, mas não exclusivamente o masculino, como ocorria na antiga versão, onde a personagem de Sylvia Kristel servia como um fetiche sexual para satisfazer os homens.
A sequência inicial no avião, em que Emmanuelle (Noémi Merlant) transa com um homem no banheiro, logo se amplia, quando descobrimos se tratar de uma cena fantasiada, só não sabemos por quem, se por ela ou ele, pois a maneira como Audrey Diwan filma deixa dúvidas sobre quem sonha fazer sexo em pleno voo do avião. Se essa sequência inaugural promete ao espectador algo mais explícito, a diretora a usa como algo para criar uma expectativa sobre essa mulher que não concretizará mais à frente.
Emmanuelle se passa praticamente em um único espaço, o de um hotel luxuoso em Hong Kong. Ela está ali para tentar descobrir para o dono do hotel o que o está levando a diminuir o seu faturamento. Mas a viagem que temos é outra. Aos poucos, Emmanuelle vai conhecendo funcionários, a gerente (Naomi Watts), os hóspedes, em especial Kei (Will Sharpe) e Zelda, uma prostituta (Chacha Huang). A diretora cria um ambiente erótico, mais do que ações efetivamente eróticas e trabalha com nuances ora fotográficas ora pelo som envolvente, o que pode atrair alguma sensação de desagrado em relação ao filme de quem esperava algo mais explícito.
As cenas mais quentes podem frustrar, pois apesar da restrição de idade para 18 anos, não há cenas de sexo explícito, tudo é na base da encenação e da sugestão. Mas se pensarmos a trama como o ponto de vista de Emmanuelle, temos um acréscimo narrativo interessante ao filme dos anos 1970. Se pode ler Emmanuelle como uma obra cuja personagem está em busca do sexo como autoconhecimento e fonte de descoberta de novas formas de prazer, não mais como um mero fetiche para dar prazer ao homem e a cena final é claríssima nesse sentido, de quem dá as ordens, e de como ela quer a relação sexual.
Um elemento que está presente nesse Emmanuelle, e que também estava na versão de 1974, é o do desejo entre duas mulheres, que vem ratificar que as fronteiras da sexualidade e do prazer continuam não cabendo em caixinhas pré-estabelecidas, em especial ditada pelos homens. Tanto que na versão de agora Emmanuelle sequer é casada. A relação de Emmanuelle com Zelda, uma prostituta, é quente e ao que tudo indica não há pagamentos entre elas, mas sim uma parceira eventual. A cena é exemplar para se ver o prazer de maneira expandido, de não enxergar o desejo como uma possibilidade apenas de uma relação hétero. Inclusive para mim, a cena entre ela e Zelda é a mais sexy do filme.
Emmanuelle possui um acabamento imagético e sonoro de excelência, com certeza, mas se sai do filme com a impressão de que a exploração da sexualidade dessa nova mulher contemporânea poderia ter sido mais aprofundada. Evidente que o filme suscita muitos debates e levanta questões importantes sobre a sexualidade feminina, mas não tem como negar que o primor imagético camufla algo maior e mais libertador do que vemos na cena final: uma mulher comandando uma transa com dois homens, sendo um deles colocado como um mero tradutor de uma velha cena de sexo entre um homem e uma mulher, onde o central é o ápice do prazer da mulher.
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