Texto por Carmela Fialho
A Mais Preciosa das Cargas do premiado diretor francês Michel Hazanavicius é uma animação que se passa durante a Segunda Guerra Mundial em uma aldeia no meio de uma floresta no leste europeu. Um primor de beleza, a cena onde a pobre camponesa em um dia de muita neve acha uma bebê que foi lançado de um vagão de trem. A camponesa que não tinha filhos, reza para que o "deus trem" lhe dê uma dádiva e consegue realizar o seu desejo nesse dia.
O filme vai revelando lentamente os horrores do holocausto e as razões que levaram o pai biológico judeu a lançar sua filha bebê pela janela do trem. A questão do antissemitismo perpassa o filme no discurso do lenhador, que chama os judeus de sem coração. Mas o elo afetivo com a bebê vai se construindo durante a narrativa, a ponto do lenhador defender a vida da pequenina contra a agressividade dos outros lenhadores, que se intitulam patriotas, e queriam mata-la pelo fato dela ser sem coração.
Os traços da animação de A Mais Preciosa das Cargas foram baseados nos desenhos do próprio diretor Michel Hazanavicius. Os humanos e animais apresentam uma movimentação fluida em 3D, cujos traços do desenho conferem uma textura que transita entre o cartum e um toque das HQs com propostas estéticas mais realistas. Esses seres vivos expressivos são desenhados com linhas grossas e limpas, trazendo uma textura chapada e estilo mais minimalista, contrastando com o cenário estático, por vezes mais detalhista, que lembra pinceladas de uma pintura.
A direção procurou imprimir uma atmosfera gélida, lúgubre e esfumaçada com cores frias como o branco, o cinza e o preto no princípio da história, que começa no inverno rigoroso e a claridade vai acompanhando a mudança das estações e o aprofundamento dos laços afetivos da bebê com o lenhador na primavera e no verão, trazendo cores mais quentes. A direção de fotografia acompanha essas mudanças através da luz e do derretimento da neve, que simbolizam o degelo do coração do lenhador que passa a amar a criança e sentir o seu coração em cada objeto que toca.
A narração em off do maravilhoso, premiado e experiente ator francês Jean-Louis Trintignant trouxe ao filme um plus de riqueza e envolvimento. Foi seu último trabalho no cinema, pois o mesmo veio a falecer com 91 anos, em 2022. O premiado diretor e roteirista Michel Hazanavicius, cria uma instigante animação adaptada do conto homônimo do dramaturgo Jean-Claude Grumberg, que também colabora como corroteirista. As imagens em A Mais Preciosa das Cargas possuem um peso de tal forma que comunicam mais do que as palavras, imprimindo aos personagens olhares e posturas corporais que minimizam o uso de diálogos e ratificam a autoralidade do diretor, traço que já se destacava no cinema mudo de O Artista.
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