Pular para o conteúdo principal

12.12: O Dia (2024) Dir. Kim Sung-Soo


Texto de Marco Fialho 

Com quantos militares se faz um golpe? Essa é a pergunta que ecoa enquanto vemos 12.12: O Dia, filme coreano dirigido por Kim Sung-Soo (não confundir com outro coreano, o Hong Sang-Soo). O diretor transforma a narrativa em um thriller político de ação e nos atropela com uma câmera vertiginosa e uma montagem aceleradíssima, com muitos cortes rápidos e no momento crucial, com a introdução de uma multi-tela. O ritmo é frenético, com o diretor explorando detalhes dos bastidores de uma conspiração militar ocorrida no final dos anos 1970.  

Realmente, o ritmo de 12.12: O Dia é alucinante, o que faz com que os 142 minutos do filme voem. Entretanto, se por um lado, tamanha velocidade e competência narrativa são eficazes para prender a atenção do espectador, ela nos atropela de tal forma que deixamos de fazer perguntas cruciais ao que estamos assistindo. Se, a princípio parecemos envolvidos por uma trama shakespeariana, em que traições perpassam as relações, em especial as de militares, o diretor Kim Sung-Soo não aprofunda a discussão sobre a natureza do golpe que estava em curso. Afinal, não existe golpe pelo prazer do golpe, e sim por interesses que o movem. Na visão da direção existe um representante maior do bem (General Lee) e um outro do mal (General Gwang), sendo que a questão política coreana é mais do que isso.  

Mesmo que o filme se assuma como uma obra ficcional a partir de um fato histórico, creio que ainda assim, precisamos entender melhor o contexto em que esse golpe ocorreu na Coréia do Sul, lá em 1979, para que se possa criar um diálogo nosso como o filme. Embora se fale muito na mídia ocidental da ditadura da Coreia do Norte, a imagem da Coreia do Sul é sempre vendida como a de uma democracia, o que não raramente foi verdade, e isso se falamos do país após a divisão efetivada em 1948, iniciada em 1945, logo depois da rendição japonesa, que ocupou o território coreano. De lá em diante, a Coreia do Sul passou por alguns golpes de Estado, nos anos 1960, 1970 e 1980. 

Apesar do filme situar a luta em torno do poder entre legalistas e golpistas, todo o processo coreano é eivado por um pensamento militarizado duvidoso, originado durante o processo da Guerra da Coreia (1950-53), dentro do ambiente da chamada Guerra Fria, onde o efetivo militar cresceu e a sua proporcionalidade na participação política evolui no mesmo sentido. Por isso, embora o filme possa ser visto como um excelente thriller político, ele se demonstra pouco profundo e eficaz do ponto de vista histórico. Muito pouco se debate no filme sobre o processo político coreano a partir dos interesses para além dos militares, no início até ficamos confusos, pois somos arremessados de supetão para dentro da narrativa do filme, com os conflitos já postos e todos puramente militar. 

Creio que a maior problemática de 12.12: O Dia seja justamente narrar o conflito como meramente militar, não explicitando os interesses de grupos econômicos e eximindo a participação para lá de conhecida dos Estados Unidos no golpe dentro do golpe, pois desde 1961, já havia tido um golpe de Estado, com um militar, Park Chung-Hee, se estabelecendo no poder até 1979, quando foi assassinado por forças militares golpistas de dentro do próprio governo. 

O cinema sempre tem uma relação com o presente, e 12.12: O Dia, no caso, não foge à regra. Em 2024, o presidente Yoon Suk-Yeol decretou a lei marcial na Coreia do Sul. Mesmo que o filme tenha sido filmado antes de 2024, é notória a ligação entre as duas épocas, que mostra a dificuldade do país se livrar de golpes vindos da extrema-direita. Fora, que já existia desde 2022, no processo eleitoral que levou Yeol à presidência, um clima propício para um golpe, que é o que ocorreria com a lei marcial.decretada em 2024, em que dividiria o poder com os militares. Por mais que hoje saibamos que esse novo golpe militar tenha falhado, a intenção e a tentativa ocorreu.

12.12: O Dia não deixa de ser um filme importante por trazer uma discussão sobre democracia, a participação de militares na política e a ascensão da extrema-direita, não só na Coreia do Sul como em todo o mundo, mesmo que não aprofunde esse debate. O filme com certeza vai agradar, e muito, aqueles que gostam de ver tramas cheias de reviravoltas e traições, pois basicamente é isso que o diretor Kim Sung-Soo filma com muita eficácia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...