Com quantos militares se faz um golpe? Essa é a pergunta que ecoa enquanto vemos 12.12: O Dia, filme coreano dirigido por Kim Sung-Soo (não confundir com outro coreano, o Hong Sang-Soo). O diretor transforma a narrativa em um thriller político de ação e nos atropela com uma câmera vertiginosa e uma montagem aceleradíssima, com muitos cortes rápidos e no momento crucial, com a introdução de uma multi-tela. O ritmo é frenético, com o diretor explorando detalhes dos bastidores de uma conspiração militar ocorrida no final dos anos 1970.
Realmente, o ritmo de 12.12: O Dia é alucinante, o que faz com que os 142 minutos do filme voem. Entretanto, se por um lado, tamanha velocidade e competência narrativa são eficazes para prender a atenção do espectador, ela nos atropela de tal forma que deixamos de fazer perguntas cruciais ao que estamos assistindo. Se, a princípio parecemos envolvidos por uma trama shakespeariana, em que traições perpassam as relações, em especial as de militares, o diretor Kim Sung-Soo não aprofunda a discussão sobre a natureza do golpe que estava em curso. Afinal, não existe golpe pelo prazer do golpe, e sim por interesses que o movem. Na visão da direção existe um representante maior do bem (General Lee) e um outro do mal (General Gwang), sendo que a questão política coreana é mais do que isso.
Mesmo que o filme se assuma como uma obra ficcional a partir de um fato histórico, creio que ainda assim, precisamos entender melhor o contexto em que esse golpe ocorreu na Coréia do Sul, lá em 1979, para que se possa criar um diálogo nosso como o filme. Embora se fale muito na mídia ocidental da ditadura da Coreia do Norte, a imagem da Coreia do Sul é sempre vendida como a de uma democracia, o que não raramente foi verdade, e isso se falamos do país após a divisão efetivada em 1948, iniciada em 1945, logo depois da rendição japonesa, que ocupou o território coreano. De lá em diante, a Coreia do Sul passou por alguns golpes de Estado, nos anos 1960, 1970 e 1980.
Apesar do filme situar a luta em torno do poder entre legalistas e golpistas, todo o processo coreano é eivado por um pensamento militarizado duvidoso, originado durante o processo da Guerra da Coreia (1950-53), dentro do ambiente da chamada Guerra Fria, onde o efetivo militar cresceu e a sua proporcionalidade na participação política evolui no mesmo sentido. Por isso, embora o filme possa ser visto como um excelente thriller político, ele se demonstra pouco profundo e eficaz do ponto de vista histórico. Muito pouco se debate no filme sobre o processo político coreano a partir dos interesses para além dos militares, no início até ficamos confusos, pois somos arremessados de supetão para dentro da narrativa do filme, com os conflitos já postos e todos puramente militar.
Creio que a maior problemática de 12.12: O Dia seja justamente narrar o conflito como meramente militar, não explicitando os interesses de grupos econômicos e eximindo a participação para lá de conhecida dos Estados Unidos no golpe dentro do golpe, pois desde 1961, já havia tido um golpe de Estado, com um militar, Park Chung-Hee, se estabelecendo no poder até 1979, quando foi assassinado por forças militares golpistas de dentro do próprio governo.
O cinema sempre tem uma relação com o presente, e 12.12: O Dia, no caso, não foge à regra. Em 2024, o presidente Yoon Suk-Yeol decretou a lei marcial na Coreia do Sul. Mesmo que o filme tenha sido filmado antes de 2024, é notória a ligação entre as duas épocas, que mostra a dificuldade do país se livrar de golpes vindos da extrema-direita. Fora, que já existia desde 2022, no processo eleitoral que levou Yeol à presidência, um clima propício para um golpe, que é o que ocorreria com a lei marcial.decretada em 2024, em que dividiria o poder com os militares. Por mais que hoje saibamos que esse novo golpe militar tenha falhado, a intenção e a tentativa ocorreu.
12.12: O Dia não deixa de ser um filme importante por trazer uma discussão sobre democracia, a participação de militares na política e a ascensão da extrema-direita, não só na Coreia do Sul como em todo o mundo, mesmo que não aprofunde esse debate. O filme com certeza vai agradar, e muito, aqueles que gostam de ver tramas cheias de reviravoltas e traições, pois basicamente é isso que o diretor Kim Sung-Soo filma com muita eficácia.
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