Texto por Marco Fialho
O documentário Trilha Sonora para um Golpe de Estado, dirigido pelo belga Johan Grimonprez, entrelaça a política internacional durante a Guerra Fria (em especial os conflitos entre os países na ONU), o jazz dos negros dos Estados Unidos e a independência do Congo Belga. O desafio é grande e o diretor realiza um filme complexo quanto ao resultado. Nem mesmo os seus 150 minutos tornaram essa obra fácil de ser digerida, muito pelo contrário, a concepção de Grimonprez fazem o filme por demais cansativo.
O que mais me incomodou em Trilha Sonora para um Golpe de Estado foi a sua montagem frenética e clipada, que embaralha o tema, com depoimentos entrecruzados que dificultam o entendimento de certas situações, fora uma avalanche de informações que perpassam o filme. O tema histórico, o do sofrido processo de independência Congo Belga se mistura com imagens e depoimentos de músicos consagrados de jazz dos Estados Unidos, como Louis (Satchmo) Armstrong, Dizzy Gillespie, Max Roach, Thelonius Monk, Charles Mingus, Abbey Lincoln e Art Blakey. Há um excesso de informação de texto que se mistura à imagem e a música, tudo muito corrido como se a intenção fosse a perda do sentido de cada elemento colocado no documentário, o que não faz muito sentido nesse tipo de obra que precisa ser o mais claro possível.
E Trilha Sonora para um Golpe de Estado pode se definir mesmo pela montagem. Johan Grimonprez fez uma pesquisa de imagem tão poderosa, que todas elas advém de um registro do passado. Mas qual o conceito que se estabelece a partir delas? Para mim, há um problema na construção e junção dessas imagens, mas não só pela aceleração. Há um exagero por parte da direção de colocar a utilização do jazz como algo de muito peso (está inclusive no título), dentro da política de Estado dos Estados Unidos, como se a intervenção do país fosse fundamentalmente cultural, e não armamentista. Por outro lado, a boa recepção a Satchmo que o filme mostra não equivale dizer que o povo congolês apoiasse de imediato a política externa dos Estados Unidos. Dizer isso seria de um reducionismo barato e apelativo, como se o diretor ignorasse a sanha dos políticos nos subterrâneos podres do poder no Congo Belga ou de qualquer outro país no mundo. E nem Satcho era tão inocente a ponto de comprar todos os pontos de vista do Estado, já que era conhecedor de como os negros eram tratados especialmente no sul do seu país.
O envolvimento do jazz na política suja dos Estados Unidos, implícita no filme, creio ser uma tese do diretor, mas que carece de correlações mais consistentes e não apenas de um truque de montagem em poucas e céleres imagens. Cabe perguntar: se o central no filme é a análise sobre o Congo Belga e o que os músicos de jazz tem a ver diretamente ou decisivamente com esse episódio específico? Falar vagamente dos músicos de jazz pelo mundo traz em si uma questão de ética, de como Grimonprez relaciona os músicos a um golpe de estado, que envolve assassinatos e muitos interesses econômicos escusos em torno do urânio do Congo. Inclusive, Johan Grimonprez é um estudioso do papel das mídias na contemporaneidade, e por isso age deliberadamente na montagem de seu filme e incorpora conceitos publicitários para vender a sua ideia exagerada, mas que atrai mais plateia para os cinemas.
Fora essas questões políticas que o filme levanta, tem a própria estrutura de montagem, que o torna cansativo e exaustivo. Chega a ser óbvio chamar de excessivo Trilha Sonora para um Golpe de Estado por tudo que ele oferece ao espectador: uma profusão de imagens e informações que vão se juntando para explicar a natureza do golpe de estado na República Democrática do Congo e como foi se estruturando a prisão e o assassinato do principal líder da independência Patrice Lumumba. O próprio jazz vai se apequenando na história contada por Grimonprez, e isso acontece porque há uma forçada de barra para incluir o jazz na lambança política dos opressores colonialistas. Claro, que há participações de músicos como Nina Simone, de ter uma participação mais aberta de apoio a Lumumba e a independência do Congo.
O título do filme pode parecer brilhante e impressionável, mas realmente funciona em sua proposta? Não creio e isso mostra como documentário é tão manipulável como qualquer projeto de filme ficcional, podendo até ser mais perigoso em se tratando de fatos históricos. Grimonprez identifica no início algumas vozes que ouviremos em off durante o filme, só que quando as ouvimos ficamos confusos de quem está a falar, afinal o diretor nomeou várias delas lá em seu introito. Essas vozes mal nomeadas tornam-se escusas no decorrer do documentário, pois nunca sabemos exatamente qual delas está falando no momento.
Trilha Sonora para um Golpe de Estado tem sim seus bons momentos, mesmo na confusão imagética que Grimonprez executa em sua montagem caótica, ao mostrar e debochar como a mídia dos Estados Unidos manipulava os discursos de Kruschev em plena Guerra Fria, para que o premier soviético parecesse algo abominável, e outro bom momento ocorre no terço final, em que o diretor foca nos planos para se acabar com a promissora República Democrática do Congo de Lumumba, mas no todo torna-se cansativo e por demais preocupado em manipular igualmente o discurso ao seu bel-prazer, como o de incluir o jazz, um ritmo tipicamente negro, como uma arma poderosa contra os negros do Congo.
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