Texto por Marco Fialho
Tem diretores que se colocam diante de um desafio extremo, tal como Robert Eggers faz ao lançar uma refilmagem do clássico Nosferatu (1922), do genial Friedrich Wilhelm Murnau. Queria aproveitar e até promover um desafio aos diretores: façam refilmagem de filme fracassado, sem grande importância, porque refazer filmes de sucesso e bem-sucedidos é em certos aspectos bastante decepcionante. Não que o filme de Eggers seja ruim, apenas não tem a inspiração e o brilho da versão de Murnau. Nem cito O Nosferatu (1979) de Werner Werzog já que o diálogo que Eggers busca visivelmente é com a versão de 1922.
O Nosferatu de Eggers esbarra em excessos desnecessários, são tantos planos filmados para serem intactos e belos que tudo soa com certo artificialismo, o enredo se encaminha para um segundo plano, tal é o esmero pelo visual, por uma fotografia que impressiona a ponto de nos tirar do filme. Em certo momento fiquei observando a imagem, sem me importar com o que estava assistindo. O horror em si não é o central de Nosferatu, mas sim o esteticismo que o filme evoca. E o som também funciona da mesma maneira, sua intensidade se impõe com tanta pungência e tal como a imagem, nos lança para fora do filme. Senti falta de algo orgânico e verdadeiro em Nosferatu de Eggers.
Algumas cenas são francamente inspiradas em Murnau, como as da sombra das mãos do Conde Orlok (Bill Skarsgard) e as portas góticas do castelo. Não há nenhuma cor viva nas imagens criadas por Eggers, já que o tom mais sóbrio e neutro predomina em todo o filme, até o vermelho em Nosferatu é esmaecido, quase cor de vinho. A direção de Eggers desloca a temática sobre a figura demoníaca para o adultério, descamba para uma discussão sobre a culpa de uma mulher que confessa desejo por outro homem. No todo, rigorosamente, Eggers transforma seu Nosferatu em um grande espetáculo audiovisual e isso não é necessariamente uma nota elogiosa.
No contexto da obra de Robert Eggers, Nosferatu passa ao largo do frescor que A Bruxa (2015) emanava para o gênero terror. A mão do diretor em Nosferatu faz lembrar mais a O Homem do Norte (2022), pela tentativa de emular uma certa crueza da natureza humana, um quê de animalidade presente em nós, uma pesquisa sobre as consequências do instinto que nós humanos muitas vezes não conseguimos escapar. Se comparado a O Farol (2019), Nosferatu fica ainda mais distante, em especial pela proposta fotográfica e de roteiro que discute a relação entre dois homens em uma situação limite de isolamento e tensão. Em comum até agora entre as obras, pode-se destacar o tema histórico, já que Eggers sequer chegou em seus filmes ao século XX, e o cuidado extremo com a fotografia e com a cenografia, que em Nosferatu torna-se ainda mais intenso, chegando às raias do exagero esteticista.
Outra característica que sobressai em Nosferatu de Eggers é a construção de um terror calcado na violência, que beira o aspecto gore. Orlock é uma figura asquerosa, sua repugnância é explícita, sua imagem é de um monstro, não há quase nenhum resquício de humanidade nele, o que o diferencia frontalmente ao Orlock de Murnau. Mas a crítica ao medievalismo não soa tão forte nessa versão, que prefere centrar a discussão em torno dos impulsos da traição, apesar de não haver um debate mais profundo sobre o tema. O autosacrifício da noiva (Lily-Rose Depp) é a grande novidade e contribuição que Eggers confere à história de Drácula, já que na versão de Murnau apenas o monstro é destruído pela luz solar. A visão de Eggers chega a ser uma visão deveras ultrapassada acerca do feminino, ao resgatar a ideia da mulher como fonte original do pecado na sociedade. A culpa da mulher grita nessa refilmagem de Eggers.
Nosferatu é uma versão até interessante, que funciona caso o espectador compre a ideia de usufruir das luxuosas imagens e no potente som que Eggers faz questão de sublinhar. Não deixa de ser um espetáculo agradável de ver, mas que depois vai perdendo a sua força quanto mais pensamos nele. Conforme já dissemos anteriormente, Robert Eggers atualiza a história de Murnau, visivelmente sua inspiração imediata e passa longe da versão contemplativa de Werzog, com uma visão mais animalesca, com Orlock emitindo sons que lembram os de um cão raivoso. Durante o filme me bateu aquela saudade de quando o cinema de Eggers se baseava mais no mistério, que ecoava como uma metáfora do mundo retratado.
Crítica cirúrgica novamente. Achei também que o esteticismo exacerbado e a gratuidade do terror gore entraram na frente do mistério e do horror psicológico. Mas gostei do filme. Embora como dissestes, o retrogosto é evanescente. Não ficará retido em minhas memórias como ficou A BRUXA.
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