Texto por Marco Fialho
A poesia transborda de Luiz Melodia - No Coração do Brasil, documentário sentimental e afetuoso de Alessandra Dorgan. Na verdade, tudo em Melodia emana poesia: seu corpo, a voz marcante, a letra inteligente, provocativa e a melodia desconcertante que encanta desde o início da canção. A diretora parte desses aspectos para desenhar não uma biografia descritiva e insossa, mas uma radiografia viva, pensada a partir da alma do compositor e da energia da voz impecável do Melodia cantor.
Alessandra Dorgan realizou uma pesquisa precisa, não para exaurir a imagem de Luiz Melodia e sim o suficiente para poder sorver a sua essência. Nesse ponto, o documentário possui uma exatidão exemplar ao não buscar referendar Melodia pelas opiniões alheias, embora isso se confirme quando ouvimos Gal, Bethânia, Itamar Assumpção, Zezé Motta e Elza Soares entoarem suas canções como um louvor à beleza de uma música impossível de ser enquadrada em ritmos. Esse é um importante viés de Luiz Melodia - No Coração do Brasil, o de mostrar a complexidade e a diversidade de sons que o compositor incorporava de maneira espontânea em sua música. Logo na primeira imagem temos uma apologia à liberdade, que muito condiz com a centralidade ontológica de Luiz Melodia. Um discurso que vai no ponto, no xis da questão.
Outro aspecto fundamental do documentário de Alessandra Dorgan reside em deixar o próprio Luiz Melodia conduzir a narrativa, ora com depoimentos, sempre curtos, mas preservando uma pontaria certeira aos temas que mais o incomodaram na carreira ora com a execução de grandes trechos de suas músicas, a maioria delas tocadas ao vivo. Essa construção narrativa a partir de Melodia faz a gente conhecer o cantor por seus depoimentos, que jamais foram gratuitos. A diretora ainda preserva as texturas dos materiais de arquivo de várias épocas, o que confere uma veracidade e um respeito ao próprio tempo, que não deixa de ser uma das relações que o filme propõe ao falar de um artista que marcou uma determinada época com sua originalidade.
O documentário não deixa de ser um espelho poético, com falas precisas de Melodia sobre a carreira, sobre o quanto a desenhou com o próprio punho, sem deixar que o massificado mercado da música impusesse caminhos e ritmos a seu bel prazer e interesses econômicos. Assim, Alessandra Dorgan consegue por meio do homem Melodia também mostrar o quanto a sua música foi moldada pelo seu caráter. Vale ressaltar o orgulho de Melodia pela sua independência e marginalidade dentro do processo famigerado das grandes gravadoras. Fica evidente o quanto Melodia jamais aceitou a ideia de ser apenas um compositor de samba, mesmo admitindo que possuía um grande envolvimento afetivo com o ritmo, inclusive sendo Zé Ketti uma de suas maiores influências e admiração.
Luiz Melodia - No Coração do Brasil é um filme para se ver com o coração e se emocionar e usufruir de uma magia do tipo "quem não pisa a terra, não sente o chão", um poema capaz de nos fazer rever o mundo. Ao vê-lo e ouvi-lo no documentário bateu uma baita saudade dos vários shows que vi dele, muitos no Sesc Tijuca, bairro pelo qual sempre demonstrou muito carinho, afinal o compositor era do Morro do Estácio, que faz parte da Grande Tijuca, no Rio de Janeiro, e Melodia compôs para o bairro uma de suas mais belas canções "Estácio, Holly Estácio", que diz: "se alguém quer me matar de amor que me mate no Estácio". E como é bonito ver o documentário abordar com carinho a relação que o compositor nutria pelo seu bairro de nascença. O final simbólico, onde se abdica de falar diretamente da morte do compositor e que imortaliza sua presença mágica no palco é de uma sensibilidade e sutileza poucas vezes vistas no cinema brasileiro. O documentário de Alessandra Dorgan exalta a poesia de Luiz Melodia ao deixá-la presente durante os 75 minutos de duração.
Disse tudo! Melodia foi uma das grandes alegrias neste ano.
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