Pular para o conteúdo principal

FLOW (2024) Dir. Gints Zilbalodis


Texto por Marco Fialho 

Flow é uma das animações mais incríveis que assisti nos últimos anos. A sua dinâmica narrativa é digna de ser ressaltada, pois durante seus 85 minutos não há um diálogo sequer, ou melhor dizendo, não tem diálogos falados, pois há muita comunicação entre os personagens. Os animais se enfrentam, se ajudam e fazem tudo para ficar juntos durante um tsunami que destrói tudo, habitat, família e qualquer referência anterior de 5 bichinhos: um gato, um cachorro, uma capivara, um pássaro-secretário e um lêmure. 

Mesmo ser ter qualquer presença humana, o filme remete às relações que precisamos estabelecer com o mundo e o outro para sobreviver e tentar dar algum sentido em nossa aventura pela Terra. Flow é impregnado por um tipo de magia, mesmo que várias situações sejam limites, a direção de Gints Zilbalodis sempre reserva ao público uma experiência sensorial, muitas vezes ao levar a cena para flutuações de corpos pelo espaço ou pela água, como se o terror estivesse sempre avizinhado pela beleza das imagens. Há uma alusão deveras bonitas, como a da baleia que tem o poder de salvar vidas na água, mas que pelo grande corpo não consegue ajuda dos outros animais.  

Esse é justamente um filme sobre as diferenças e como sobreviver ou morrer tendo que se apoiar no outro. Como uma grande região é atingida pela catástrofe, a força do rio que é formado vai levando esses seres para o incerto e o imprevisível. O que virá logo à frente é o desconhecido, os riscos são iminentes e impossíveis de serem minimamente previstos. Isso gera um suspense na plateia, que fica a imaginar os próximos desafios do grupo. Enquanto isso, nos divertimos com as idiossincrasias de cada animal, em que o lêmure é o que mais chama atenção por ser aficcionado por um instinto acumulador, sendo capaz de tudo para não perder qualquer objeto que está em seu domínio.  

A animação é muito bonita e fluida. O forte do filme são as cenas de grande emoção e ação que o diretor constrói. Há de tudo um pouco, desde ação até momentos de pura contemplação e suspense. Ficamos presos à narrativa e totalmente apegados aos animais, em especial ao gato, o cão e o lêmure. A sensação de levitação é escorada por uma música que evoca algo de místico. Os olhos do gato estabelece uma conexão quase que imediato com os espectadores. De repente, o olhar dele torna-se o nosso. O realismo das cores torna tudo vívido e mágico e essa é uma faceta curiosa do magnetismo que esse filme possui. 

Essa inusitada produção vem da Letônia, mas com coprodução francesa e Belga, sendo o diretor letônio. Algumas imagens são impressionantes e fazem de Flow um filme especial, pela delicadeza com que trata os personagens, que não são humanizados e sim tratados como bichos e com características específicas de sua espécie. O difícil é piscar durante a projeção dessa joia rara da animação mundial.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...