Texto de Marco Fialho
Robert Zemeckis é um cineasta que gosta de jogar com a ideia de diacronia. Assim fez nas três sequências de De Volta Para o Futuro nos anos 1980 e em Forrest Gump (1994). Essa perspectiva do tempo o atrai, não resta dúvida, mas Aqui (2024) é por sua vez o seu experimento mais frustrante com o tempo. Não que não seja bom ou interessante, ou até mesmo divertido, terno e agradável de ver. Na mesma linha, com a mesma ideia, André Novais Oliveira fez um filme genial, o média-metragem Quando Aqui, também exibido em 2024.
Mas porque a estratégia do tempo em Aqui não soa tão forte e envolvente como nos exemplos acima? O que Zemeckis planeja para o filme é algo profundamente engessado. Colocar a câmera em uma única perspectiva, sem jamais a deslocar, por milênios e milhões de anos, desde os dinossauros até à Covid-19, não deixa de ser uma ideia criativa em um primeiro momento, que a princípio soa estimulante, revela-se algo cansativo e até artificial.
O que mais fica ao final é a sensação de que o dispositivo de Zemeckis torna-se maior do que a história que ele quer contar, a expansão do tempo e suas mudanças assume uma relevância mais ampla do que cada vida que vemos passar pela tela. Ao invés de atentarmos aos personagens ficamos presos no mecanismo que Zemeckis implanta para vermos a passagem do tempo e o que faz com que o tempo seja o maior protagonista e não aquelas vidas ou mesmo a história das terras que hoje são os Estados Unidos.
Talvez, para não cansar, Zemeckis apela para cortes temporais sistemáticos, a maioria de curta duração, e ele faz algo terrível: colocar quadrados dentro da tela para sinalizar que mudará de época e esse mecanismo é o que realmente engessa. Falta fluência em um enredo que se vislumbra esquemático e cansativo. Claro que atores de qualidade e produção rebuscada impedem o filme de cair no atoleiro, mas não o livra de uma experiência que soa incompleta, porque várias histórias ficam pela metade ou se tornam meramente ilustrativas no contexto geral.
Claro, que há ousadia na proposta, mas isso não significa de antemão que haja pleno sucesso no resultado final. A família negra soa como superficial, as dos indígenas também (apesar que essa tem a justificativa que a casa não existia). O casal dos anos 1920 funcionam mais como um alívio cômico do que realmente personagens de carne e osso. A época ali fica estandartizada, como a Era do ragtime e do bem viver, porém se revela rasa e anedótica. E Tom Hanks como um jovem? Zemeckis apelou para as novas tecnologias de A.I. para rejuvenescer o ator (capturando a imagem de Hanks em Big - Quero Ser Grande, de 1988). Mas a interpretação mais marcante é a de Robin Wright, como Margaret, uma mulher oprimida em seus sonhos de ser advogada. No mais, Zemeckis conta a história dos Estados Unidos como muito já se contou, por meio da segunda guerra, do Vietnam e da Covid, sempre sob o ponto de vista da classe média branca, pois o diretor não consegue fugir da centralidade da família de Richard (Tom Hanks).
A ousadia de por a câmera em um só enquadramento do início ao fim pode sugerir algo corajoso do ponto de vista cinematográfico, embora vejo mais como um artifício que bloqueia o fluir da história, que não deixa de ser por um viés clássico de narração. Todos os elementos narrativos e dramáticos clássicos da indústria estão ali: a identificação dos personagens com o público, o crhoma key descarado, a artificialidade da encenação, a montagem ágil e explicativa, mesmo que a temporalidade não seja marcada pela linearidade. Apesar de todos os aparatos narrativos aplicados, creio que Aqui não deixa de ser um filme de entretenimento fácil para agradar o público que espera ver as mesmas histórias por um viés diferente.
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