Texto por Marco Fialho
Quando assisti a Crônica de Uma Jovem Família Preta, dirigido por Davidson Candanda, me lembrei dos trabalhos da produtora mineira Filmes de Plástico, de suas narrativas híbridas de ficcionalizar a elaboração de um documentário, uma proposta de mostrar a vida como ela é, algumas vezes por meio da reencenação. Do tipo: "vamos refazer aquela conversa que tivemos sobre eu fazer trança nos cabelos para ganhar uma grana a mais?" Ou o cineasta propor "posso te acompanhar hoje indo para o trabalho?" Se narrativamente sentimos ecos mineiros nesse documentário, não resta dúvida que o tempero é pra lá de carioca, de um carioquês inquestionável e verdadeiro.
O filme acompanha a rotina do casal Hellena e Lucas, e o seu filho Domenic, que moram em um conjunto habitacional suburbano e lutam como podem pela sobrevivência diária. Aos poucos vamos conhecendo as estratégias diárias do casal, ele como atendente em uma pequena lanchonete e como instalador de pisos na empresa do pai. Ela como tranceira, fazendo dreads nos cabelos das clientes.
Crônica de Uma Jovem Família Preta constitui sua narrativa muito pela ação dos personagens e por diálogos improvisados a partir de uma reconstrução do dia a dia. O diálogo é um ponto fundamental do documentário, que se estabelece muitas vezes por meio do exercício de um trabalho, com os personagens falando sobre as suas vidas. Um fato interessante é a da festa de 2 anos de Domenic, em que parte dos serviços contratos foram realizados por meio de permutas ou escambos, com Hellena trocando os serviços de tranceira por um dia de cama elástica. Essa forma de levar a vida muito diz sobre as tais estratégias de sobrevivência. Essas conversas são filmadas com o pai enquanto eles descansam no meio de um trabalho de um piso. Questões diárias e de trabalho se misturam no corre da vida em uma sociedade onde tudo está muito fluido e às vezes improvisado.
Domenic (também chamado de Dom pelos pais) é uma atração à parte do documentário, em especial pela educação dada pelos pais de valorizar desde cedo a pretitude como um sortilégio, não como um estigma. O filme discute essa conscientização do preto como modelo de beleza, sem muito discurso, mas com cenas que deixam isso evidente, como a que o casal se beija sensualmente enquanto Dom dorme.
Esse é um documentário muito pessoal de Davidson Candanda, que explora a experiência de vida de personagens que pouco são abordados pelo cinema, no caso específico, um casal jovem preto e suas rotinas de vida, em que o diretor realiza ou participa diretamente da maioria das funções como roteiro, direção, produção, fotografia, som e montagem.
Tudo parece ser muito simples e de fato é. Candanda artesanalmente coloca a câmera a serviço dos seus personagens e sempre a partir dos espaços onde eles vivem as suas vidas. Não há mistério, apenas registro e algumas reencenações do próprio cotidiano. A poesia do filme está contida nessa simplicidade, nesse jorro de vida que se esparrama para além da tela. Diante tantos filmes cheios de efeitos especiais, chegamos até estranhar quando vemos a vida tão próxima e viva.
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