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COMO GANHAR MILHÕES ANTES QUE A AVÓ MORRA (2024) Dir. Pat Boonnitipat


Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho

O filme tailandês Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra (Lahn Mah) do diretor Pat Boonnitipat concentra a sua narrativa em uma família, composta por uma idosa, seus três filhos, uma nora e seus dois netos (um jovem e uma menina). A história começa em um cemitério, com a família reunida por imposição da avó, com alguns membros de má vontade para celebrar uma tradicional homenagem aos antepassados sepultados em um mausoléu da família.

A ancestralidade, a tradição e as crenças religiosas da avó entram em choque, principalmente com o neto jovem. Mesmo assim, o jovem resolve cuidar da avó, depois que se descobre que ela está a sofrer de uma doença grave, com o interesse de se tornar o preferido e herdar a casa da avó depois da sua morte. Influenciado por uma prima enfermeira jovem, que cuidou do avô e recebeu como recompensa uma boa herança após a sua morte. Quando o jovem M. se muda para a casa da avó, ele passa a trabalhar com ela vendendo mingau, a leva ao médico e a acompanha na quimioterapia. O filme aborda esse convívio como algo transformador, a vida como um avesso de nossas intenções.

A perspectiva do diretor é mostrar a mudança de atitude do jovem neto e também da avó, que a princípio era bastante rude com o neto e o achava inútil, pelo fato dele não ganhar dinheiro para se sustentar e viver às custas da mãe, que era sua filha. Mas a avó não estava errada de todo, pois M. a princípio tinha o objetivo mesmo de herdar a propriedade dela. Contudo, Pat Boonnitipat, com sabedoria oriental, se utiliza da ideia de convivência para resgatar relações desses dois familiares que antes não combinavam tanto.          

O roteiro de Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra é muito bem construído, com personagens bastante cativantes ao equilibrar com eficácia sequências de humor e de drama. O ator que representa o papel do jovem neto M. (Putthipong) constrói um personagem que ao mesmo tempo é atrapalhado e carismático. A atriz, que interpreta a avó Mengju (Usha), a concebe como uma pessoa sábia, digna, mas ao mesmo tempo dura, engraçada e cheia de surpresas, pois as suas decisões surpreendem constantemente os familiares até o final da trama. Há um toque preciso de melodrama inserido na narrativa, que funciona bem, no limite do apelativo e sem passar do ponto onde tudo poderia virar algo meloso demais. Lançar mão de momentos cômicos também colaborou para suavizar e contrabalançar as cenas marcadas pelos dramas mais intensos. 

A fotografia realista, o roteiro, junto com a trilha sonora envolvem o espectador na história numa busca de identifica-lo com as questões familiares universais de filhos preferidos e renegados, parentes bem sucedidos financeiramente, outros endividados e as escolhas dos pais que muitas vezes desagradam aos filhos e netos causando decepções e mágoas. Não por acaso, o filme levou uma multidão aos cinemas na Tailândia, se revelando o maior sucesso de público de 2024. 

A delicadeza na construção narrativa e a desconstrução das relações familiares evidenciam os meandros dos vários personagens sem perder de vista as diversas perspectivas individuais, seus sentimentos e transformações, principalmente a do neto M. O mais significativo que a obra traz é a noção de circularidade tão comum às culturas ancestrais orientais, pois o filme termina no mesmo local onde começou numa celebração da morte de um membro da família, com a repetição dos mesmos rituais sendo passados de uma geração a outra.

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