Pular para o conteúdo principal

SELVAGENS (2024) Dir. Claude Barras


Texto por Marco Fialho

O filme Selvagens é uma animação em stop motion, que se utiliza de maquetes para construção dos cenários e massinha para a feitura dos personagens. O nível de acabamento impressiona pela beleza plástica e profusão de cores que o diretor Claude Barras, o mesmo que realizou em 2016, o belíssimo Minha Vida de Abobrinha, compõe para a sua nova obra. 

Se compararmos Selvagens com a sua obra anterior, podemos notar uma grande evolução na parte técnica da obra, entretanto, quanto ao roteiro, Minha Vida de Abobrinha é mais consistente e ousada na sua proposta, por explorar uma complexidade maior no desenvolvimento da história. Já em Selvagens, o diretor adentra na temática ambiental, o que não deixa muitas brechas existenciais, por se obrigar a realizar uma obra onde estabelece uma ideia de vilania mais direta que simplifica mais a história. Assim, os personagens bons são bons e os maus são maus, perdendo o seu arco mais complexo. 

Barras conta a história de Kéria, uma menina sensível que vê uma macaca sendo morta por exploradores de madeira numa floresta em Bornéu, na Ásia. Ela e o pai adotam o bebê da macaca, só que existe sempre uma ameaça de o entregarem para um Jardim Zoológico, caso ela precise levar o bebê a um veterinário. No mesmo período, ela descobre sua ascendência indígena, quando seu primo Selaï, precisa dividir o quarto com ela por uns dias, enquanto o pai do menino precisa defender a floresta contra os madeireiros. 

Será nessa interação entre Kéria e Selaï, que a princípio não é das melhores, mas quando Kéria se perde na floresta procurando pelo seu bebê macaco, o menino vai dividir com ela os conhecimentos que a floresta pode oferecer, além dele conhecer os perigos do lugar e como resolve-los com seu saber ancestral. Selvagens parte de uma ideia hoje bem idílica acerca da floresta, embora seus melhores momentos venham da exploração desse ambiente. 

Selvagens discute também a inserção do celular na vida dos povos originários e até nos faz ri do toque do celular do pai de Selaï, uma famosa música pop vinda do mundo dos brancos, embora a música seja de origem negra. O filme brinca um pouco com essas referências multiculturais que fazem parte do mundo globalizado como o nosso, que não permite mais o total isolamento de uma determinada matriz cultural.  

No final, Selvagens diverte e talvez consiga também colaborar para uma ideia de respeito às terras dos povos originários como fundamental para a criação de um mundo mais harmonioso. Embora essa ideia militante também acabe por engessar a escrita de um roteiro mais complexo em relação aos personagens. 

Selvagens trata-se de uma animação bem produzida, visualmente bonita e que traz uma visão humana sobre os problemas ambientais causados pela ambição desenfreada de grupos capitalistas que só visam o lucro e matam os seres vivos que são importantes para um novo conceito de equilíbrio ambiental, de uma ideia simples e necessária que precisamos mais da floresta intacta do que explorada.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...