Texto por Marco Fialho
Não podemos nos levar pelas aparências. Apesar de O Último Judeu entoar uma comédia leve de costumes judaicos, ela revela algo muito mais cruel em sua outra volta do parafuso. O filme de Noé Debré como um bom veneno vai nos asfixiando cena a cena e quanto mais nos familiarizando com a vida em torno do jovem judeu Bellisha (um Michel Zindel muito bem situado no personagem).
Podemos relacionar O Último Judeu a uma situação bem mais ampla da história, embora ela seja inclusive citada em alguns momentos na trama. Falo aqui do sionismo e fúria de guerra que o atual Estado de Israel vem alicerçando sua política externa. Há, sem dúvida, um mal-estar presente no ar e basta você mencionar que é judeu para receber um olhar ou uma reação imediata de repulsa. E isto está inserido e precipitado radicalmente no filme, e Bellisha sofre com essa situação.
Bellisha mora com a mãe em um conjunto residencial todo subsidiado pelo Governo Francês e habitado por povos que atualmente estejam em uma diáspora, seja na África ou na Ásia. O conjunto já foi predominantemente judaico, mas agora os muçulmanos e os africanos são predominantes e a maior consequência disso pode ser visto no fechamento dos comércios de produtos kocher, que antes atendiam a maioria judaica. O Último Judeu mostra como a história pode destruir as culturas. Bellisha é resultado disso, desse dilaceramento quando indivíduos dessa cultura estão isolados no mundo.
Por isso, Bellisha antes de tudo é um sobrevivente, um jovem que procura se dar bem com geral, mas que precisa mentir o tempo todo para a mãe, que acha fácil adquirir produtos em mercados judaicos. Bellisha não estudou, não tem formação e só consegue trabalhar em um tipo de golpe vendendo bombas térmicas para senhores e senhoras. Sua ficante é uma mulher árabe casada e com filho. Ele na verdade é um jovem com pouco futuro, já que passou dos 27 anos e ainda leva uma vida de adolescente. Ele não sabe hebraico, não quer servir no exército e não quer seguir nenhum caminho posto pela comunidade ou família.
Noé Debré tem um narrador não identificado, que vai em off, nos comunicando sobre detalhes da vida do rapaz. O Último Judeu é permeado por um tipo de humor judaico, ao estilo de Woody Allen, temperado com a devida acidez que lhe é característica. Contudo, por trás desse humor, o filme está cravado de elementos cortantes e duros, em especial quando a morte da mãe de Bellisha é inevitável.
O Último Judeu é tomado por um poesia discreta, nos enquadramentos elegantes que apresenta as cenas e nas cores bem dosadas que apresenta, entre o vermelho, o cáqui e o marrom. A realidade está presente de maneira ostensiva, até que o final aberto coloca esse personagem no mundo, sem que saibamos as suas reais perspectivas, virando uma lenda do bairro suburbano que antes morava. Esse é um filme bem narrado, que por um lado é cruel, por outro, sabe ser bonito, crítico e terno com seu protagonista.
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