Pular para o conteúdo principal

O SEGUNDO ATO (2024) Dir. Quentin Dupieux


Texto por Marco Fialho 

Talvez O Segundo Ato, filme dirigido por Quentin Dupieux, seja o primeiro a adentrar de fato, de forma direta, na discussão da Inteligência Artificial no que tange a direção de um filme. Durante toda a filmagem, Dupieux brinca com camadas da relação entre atores e o seu ofício, já que aqui os personagens são atores, que fazem por sua vez papéis de atores. 

O elenco estelar, composto por Louis Garrel, Lea Seydoux, Vincent London, já se mostra em si algo curioso, por esses famosos atores fazerem papéis também de atores. Várias brincadeiras com o cinema são realizadas, como a que simula o convite de Paul Thomas Anderson a um dos personagens, o que desperta o ciúme de outros, o que joga com essa espera que os atores tem por trabalhar com diretores importantes. Mas como fica então o cinema dirigido por uma inteligência artificial? Dupieux, de certo, debocha um pouco de tudo isso.   

O Segundo Ato é composto por alguns longos planos sequências de conversas entre os personagens sobre a natureza da interpretação, inclusive sobre o que pode e não pode ser dito na frente das câmeras. Nesse ponto, há um quê de deboche bem ao estilo do diretor, que gosta de flertar com as concepções consagradas de cinema que o público também é uma das peças da engrenagem do que é ou deve ser um filme. 

Essa ideia de Dupieux é realmente interessante, apesar de arriscada, pois essas camadas que explora não criam nenhuma identidade com o público. Fiquei com a impressão de que Dupieux se perde em meio às suas próprias armadilhas, ao decepar o interesse do público com diálogos pouco cativantes. Talvez o que ele prove é o quanto a chatice do seu filme venha da própria inteligência artificial que está no comando, embora essa estratégia seja por demais arriscada para o resultado final do seu filme.

A cena em que o personagem do garçom se mata pela segunda vez, em um segundo ato, pode ser uma síntese acerca da própria natureza desse filme, e converse com acena anterior, quando Garrel discute sobre o que é realidade e ficção na vida dos atores. Inclusive, há uma discussão sobre o ato de depreciação do próprio trabalho do ator. Isso fica evidente na cena em que o personagem de Vincent London esboça discutir com a inteligência artificial e essa o ignora por completo.    

Mas Quentin Dupieux avança com seu risco ao mostrar, no final, o longo trilho utilizado na cena inicial onde Garrel está convidando o amigo para dar em cima de uma mulher que o perturba para namorar. Aquele trilho em si lança uma reflexão imediata sobre a humanização de uma filmagem, afinal, somente pessoas poderiam ter armado aqueles vários metros de trilhos, jamais a inteligência artificial. 

Mas Dupieux é esperto, ele filma esses trilhos cinematográficos como se fossem trilhos de trens, o que remete tanto aos caminhos do cinema quanto à origem do cinema. Os meus pensamentos foram de imediato para 1895, quando um trem veio ao encontro das pessoas numa tal sessão organizada por uns tais irmãos Lumiére. É o cinema, arte tecnológica por natureza, se reinventando sem parar, independente das vans razões humanas. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...