Pular para o conteúdo principal

O ROTEIRO DA MINHA VIDA (2024) Dir. David Teboul


Texto por Marco Fialho

No documentário O Roteiro da Minha Vida, o diretor David Teboul propõe um estudo que traça uma relação direta da vida do diretor François Truffaut com a sua obra. A infância conturbada do diretor francês ganha relevância na narrativa, ocupando metade da duração do filme. 

Além das imagens de arquivo, Teboul se utiliza de narrações de cartas trocadas com os pais e com artistas como Jean Genet, todas narradas por atores e atrizes consagrados, como Isabelle Huppert e Louis Garrel. As cartas dão um toque diferente à construção do filme, e que lembram muito as próprias narrativas de Truffaut, que também gostava muito de inseri-las em seus filmes.

Na primeira parte, a estrutura proposta por David Teboul funciona muito bem, quando o diretor centra a narrativa em especial na infância de Truffaut e no seu longa de estreia Os Incompreendidos (1959), momento em que a temática autobiográfica toma relevo. As nuances percebidas pelo diretor aqui são visíveis e muito bem ajeitadas, em especial pelas longas trocas de cartas com o pai e uma relação de segunda paternidade com o crítico André Bazin, que também foi um mentor de Truffaut pelo universo cinematográfico. 

A segunda parte até inicia bem abordando as filmagens e significados de Jules & Jim (1962), em que se destaca a presença fundamental de Jeanne Moreau com o seu magnetismo e carisma. Mas depois daí, O Roteiro da Minha Vida começa a se atropelar e se abre em muitas frentes. Todos os filmes posteriores de Truffaut entram na narrativa, mas o ritmo agora é frenético e a ausência de respiros complica o entendimento de várias questões que vão se amontoando.   

De toda forma, a ideia central de unir vida e cinema é mantida até o fim pela direção de Teboul e assim vale à pena mergulhar nesse arsenal de amorosidade que foi a vida de François Truffaut. Por isso, o personagem autobiográfico Antoine Doinel perpassou toda a obra de Truffaut e a relação dele com o ator Jean-Pierre Léaud se aprofundou tanto que as personalidades de todos eles se imbricaram como se juntos formassem uma só pessoa, isso admitido pelo próprio Truffaut.  

Algumas cartas de Truffaut para o pai eram fortíssimas, de uma contundência impressionante. Contudo, se tem uma parte interessante na segunda parte é a que Truffaut descobre sua verdadeira paternidade em um judeu, o que fez com que seus filmes fossem tomados dessa discussão. 

Outras passagens passam muito abruptas pelo filme, como os momentos com o mestre Hitchcock para o livro hoje clássico de entrevistas que Truffaut realizou junto a ele. Foram muitos encontros e essa parte passa correndo demais pelo filme. Teboul valoriza bastante a temática feminina e erótica presente nos filmes de Truffaut, de mudar algumas referências do feminino na sociedade. Filmes como A História de Adèle H. (1975) e A Noite Americana (1973), importantes na filmografia do diretor, apenas são rapidamente citados.

O grande mérito de O Roteiro da Minha Vida é o aproveitamento que David Teboul faz das cartas, um meio de comunicação pouquíssimo utilizado nos dias de hoje, mas que atribui um charme à narrativa do documentário. Ao final, fica um gostinho de se querer mais, afinal Truffaut é um personagem fascinante, e aquela vontade de ver esse material se estender mais e virar uma série, para que os filmes que passaram acelerados demais pela tela, possam ganhar um tempo a mais, para a nossa alegria e satisfação.             

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteiramente to

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2024

Nesta página do CineFialho, o leitor encontra todos os filmes vistos no decorrer de 2024, com cotação, um pequeno comentário ou o link para a crítica do filme. 212) A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora COTAÇÃO: 9 Crítica:  A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora (cinefialho.blogspot.com) __________ 211) SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho COTAÇÃO: 3 Crítica:  SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho (cinefialho.blogspot.com) __________ 210) UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM COTAÇÃO: 6 Crítica:  UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM (2024) Dir. Michael Sarnoski (cinefialho.blogspot.com) __________ 209) CASA IZABEL (2024) Dir. Gil Barone COTAÇÃO: 6 Crítica:  CASA IZABEL (2022) Dir. Gil Barone (cinefialho.blogspot.com) __________ 208) TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand  COTAÇÃO: 7 Crítica:  TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand (cinefialho.blogspot.com) __________ 207) BANDIDA: A NÚMERO UM (2024) Dir. João Wainer COTAÇÃO: 4 Crítica:  BANDIDA: A NÚMERO UM (