Texto por Marco Fialho
No documentário O Roteiro da Minha Vida, o diretor David Teboul propõe um estudo que traça uma relação direta da vida do diretor François Truffaut com a sua obra. A infância conturbada do diretor francês ganha relevância na narrativa, ocupando metade da duração do filme.
Além das imagens de arquivo, Teboul se utiliza de narrações de cartas trocadas com os pais e com artistas como Jean Genet, todas narradas por atores e atrizes consagrados, como Isabelle Huppert e Louis Garrel. As cartas dão um toque diferente à construção do filme, e que lembram muito as próprias narrativas de Truffaut, que também gostava muito de inseri-las em seus filmes.
Na primeira parte, a estrutura proposta por David Teboul funciona muito bem, quando o diretor centra a narrativa em especial na infância de Truffaut e no seu longa de estreia Os Incompreendidos (1959), momento em que a temática autobiográfica toma relevo. As nuances percebidas pelo diretor aqui são visíveis e muito bem ajeitadas, em especial pelas longas trocas de cartas com o pai e uma relação de segunda paternidade com o crítico André Bazin, que também foi um mentor de Truffaut pelo universo cinematográfico.
A segunda parte até inicia bem abordando as filmagens e significados de Jules & Jim (1962), em que se destaca a presença fundamental de Jeanne Moreau com o seu magnetismo e carisma. Mas depois daí, O Roteiro da Minha Vida começa a se atropelar e se abre em muitas frentes. Todos os filmes posteriores de Truffaut entram na narrativa, mas o ritmo agora é frenético e a ausência de respiros complica o entendimento de várias questões que vão se amontoando.
De toda forma, a ideia central de unir vida e cinema é mantida até o fim pela direção de Teboul e assim vale à pena mergulhar nesse arsenal de amorosidade que foi a vida de François Truffaut. Por isso, o personagem autobiográfico Antoine Doinel perpassou toda a obra de Truffaut e a relação dele com o ator Jean-Pierre Léaud se aprofundou tanto que as personalidades de todos eles se imbricaram como se juntos formassem uma só pessoa, isso admitido pelo próprio Truffaut.
Algumas cartas de Truffaut para o pai eram fortíssimas, de uma contundência impressionante. Contudo, se tem uma parte interessante na segunda parte é a que Truffaut descobre sua verdadeira paternidade em um judeu, o que fez com que seus filmes fossem tomados dessa discussão.
Outras passagens passam muito abruptas pelo filme, como os momentos com o mestre Hitchcock para o livro hoje clássico de entrevistas que Truffaut realizou junto a ele. Foram muitos encontros e essa parte passa correndo demais pelo filme. Teboul valoriza bastante a temática feminina e erótica presente nos filmes de Truffaut, de mudar algumas referências do feminino na sociedade. Filmes como A História de Adèle H. (1975) e A Noite Americana (1973), importantes na filmografia do diretor, apenas são rapidamente citados.
O grande mérito de O Roteiro da Minha Vida é o aproveitamento que David Teboul faz das cartas, um meio de comunicação pouquíssimo utilizado nos dias de hoje, mas que atribui um charme à narrativa do documentário. Ao final, fica um gostinho de se querer mais, afinal Truffaut é um personagem fascinante, e aquela vontade de ver esse material se estender mais e virar uma série, para que os filmes que passaram acelerados demais pela tela, possam ganhar um tempo a mais, para a nossa alegria e satisfação.
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