Texto por Marco Fialho
Logo que comecei a ver O Bom Professor, filme dirigido por Teddy Lussi-Modeste, lembrei de A Caça (2012), de Thomas Vinterberg, justamente por ambas as tramas esbarrarem em denúncias injustas de assédio sexual de professores com alunas. A questão de A Caça era até mais sensível pelo fato do personagem de Mads Mikkelsen lidava com crianças em idade de creche, enquanto em O Bom Professor, o personagem Julien (François Civil) lida com crianças no final do ensino fundamental.
Filmes realizados a partir de ambientes escolares, em especial em salas de aulas, invariavelmente, partem de situações de tensão, já que o que se reflete ali são as relações de poder entre professor e aluno. O Bom Professor até reverbera esse assunto, o desse poder que sempre cria momentos de discussão entre professor e aluno, embora essas conversas poderiam ser mais aprofundadas e revelar mais o caráter autoritário adotado no ato de ensinar das maiorias das escolas tradicionais.
Era de esperar, que a direção de Teddy Lussi-Modeste se utilizasse, como de hábito nesse tipo de drama, de uma câmera na mão, para registrar os momentos de maior aflição vividos pelo jovem professor Julien. Mas o que vemos é um filme em que a montagem é mais determinante do que a própria movimentação da câmera, com planos mais fixos e cortes rápidos que dão um dinamismo às cenas.
O roteiro de O Bom Professor se aproveita bem do clima tumultuado de uma sala de aula, quando o professor se equilibra permanentemente entre ter e perder o controle da turma, onde qualquer mínimo deslize pode por tudo a perder, como acontece com Julien, quando ao dar um exemplo de asteísmo menciona um penteado de Leslie, uma aluna bem tímida e reservada, causando um espiral sem fim de insinuações de uma suposta cantada do professor, logo seguida de denúncias que vão parar na delegacia. São os fios tênues que um professor precisa se equilibrar no seu cotidiano escolar. Normalmente, um professor que assedia uma aluna, e essa denúncia vem à tona, outras rompem o silêncio para falar também de seus casos. Isto quer dizer, que a propensão é que um assediador não faça isso apenas com uma aluna, mas que seja uma prática rotineira com outras meninas.
O diretor Teddy Lussi-Modeste foi professor de francês e partiu de suas experiências em sala de aula e no ambiente escolar para realizar o filme. Mesmo assim, é de estranhar o comportamento não muito usual, do professor em convidar um grupo de alunos e alunas para almoçar, com ele pagando as despesas para comemorar com os que tiraram as melhores notas. Esse tipo de intimidade, normalmente não é a praxe da relação entre professor e alunos, pelo menos no ensino fundamental, o que seria mais aceitável a partir do nível médio.
Já em relação ao roteiro mesmo, considero estranho a cena em que todos descobrem que Julien, o possível professor assediador de meninas, era homossexual e que isso não altere o conjunto das acusações. O próprio colégio devia a partir desse momento chamar Leslie novamente para uma nova acareação. Mas isso não faz o filme menor, a sua força está lá, em retratar a difícil tarefa dos professores de querer aproximar os alunos e alunas dos seus conteúdos específicos.
O Bom Professor também trabalha a relação entre os professores, e entre o professor Julien e a direção da escola. O filme aborda bem essa complexa e difícil interrelação, com os rancores, competições, discordância de métodos de educar e levar o conteúdo, as diferenças classistas entre os professores, e como a direção consegue manipular esse emaranhado de questões em seu proveito.
Do ponto de vista cinematográfico, O Bom Professor é muito bem resolvido, em especial pela sua ideia coerente de se assumir como um filme de montagem, onde os cortes induzem a atenção do espectador. E quando ele sai desse esquema, o faz com um bom propósito, como na cena em que Julien encara o diretor do colégio para cobrar dele medidas mais incisivas a seu favor e a câmera faz panorâmicas rápidas indo e voltando nos rostos deles, capturando as reações e a tensão da conversa. Teddy Lussi-Modeste abusa dos planos próximos, e assim, registra com precisão como cada personagem se posiciona em cada cena. Esse é um filme onde a todo instante as posturas individuais estão sendo cobradas e os enquadramentos sugeridos pela direção são precisos quanto a isso.
Mas a direção não descuida de centrar sempre a narrativa no aspecto emocional de Julien. Em vários momentos o seu abalo é evidente e crescente. Tudo foge ao controle, pois é assim a vida de um professor, tentar se equilibrar numa corda bamba. A cena final de um treinamento, onde vemos uma simulação de um ataque à escola é crucial para o desvelar da saúde mental de Julien e o uso que Teddy Lussi-Modeste faz do som é bem providencial para mostrar o descontrole emocional do professor. O final aberto do filme faz a gente levar todas as interrogações e absurdos inerentes ao nosso mundo para casa e para a nossa consciência. Isso já faz de O Bom Professor ser de grande valia.
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