Texto por Marco Fialho
Mega Cena, dirigido por Maxime Govare, é uma comédia que brinca com algumas situações-limites que levam os personagens do trágico ao paraíso e depois novamente ao trágico. Esse estado cíclico é o que permeia as várias histórias envolvendo bilhetes premiados de loteria.
O filme investe na ideia do dinheiro que vem fácil vai fácil, na mesma medida. Apesar do absurdo de algumas histórias, tudo aqui faz muito sentido, porque vivemos numa sociedade onde o dinheiro ocupa o centro do universo cotidiano. A grande maioria das pessoas depende de empréstimos ou vive se apertando para chegar no final do mês. Essa realidade é que torna Mega Cena atrativo como obra, por levantar situações onde os personagens se deparam com a concretização de seus sonhos.
Mas é bom alertar que o filme não adota um humor pastelão, mas sim ácido. O diretor Maxime Govare ri de situações que mostram o que as pessoas podem fazer por dinheiro. Por isso, Mega Cena leva ao extremo situações que poderiam ser reais, como a de um terrorista descobrir que ganhou 60 milhões de euros na hora de cometer um atentado, no qual ele iria pelos ares junto com os alvos escolhidos. Ou de um tal de Henri, que morre de infarte ao ver os seus números sorteados ao vivo e os funcionários da clínica de repouso em que ele vivia, dividir a premiação e logo depois começarem a morrer, como uma maldição. Em outra história, o sortudo distraído descobre o bilhete premiado nos últimos minutos dele expirar, e para chegar a tempo de resgatar o prêmio terá que cometer alguns crimes pelo caminho.
As histórias são todas muito regulares, bem filmadas e interpretadas, o que não é muito a tônica desses filmes de episódios, pois sempre uns são inferiores aos outros. O diretor consegue ser hábil o suficiente e eficaz no resultado pretendido, de fazer um filme onde podemos rir de nossas tragédias cotidianas e até das falsas promessas de felicidade que o sistema oferece como consolo para uns poucos gatos pingados. Mas seria mesmo tanta sorte assim ganhar um dinheiro tão fácil? Acho bacana o filme perguntar isso, brincar com as expectativas de um sistema acostumado a efetivamente dar tão pouco aos cidadãos, mas enche-los de esperança e quem sabe de redenção.
Por isso, Mega Cena surpreende, por trabalhar com situações ambíguas, que envolvem ambição humana, sonhos e também (e principalmente) seus pesadelos, afinal, a vida pode ter de tudo um pouco. Maxime Govare brinca e nos faz sofrer na mesma medida ao explorar a natureza humana com um humor ácido e cruel. Talvez esse filme tenha me tocado porque eu trabalhei 15 anos em uma grande empresa onde o bolão da Mega Sena do final de ano era uma coisa séria, um acontecimento muito aguardado por todos, e eu era o único a não participar da brincadeira. Isso fustigava meus colegas que diziam que no começo do ano eu trabalharia sozinho enquanto todos estariam curtindo a vida numa ilha paradisíaca. A verdade é que durante 15 anos todos voltavam decepcionados ao trabalho, mas acreditando que um dia a grande sorte viria. A minha maior sorte era poder trabalhar com cinema, escrevendo sobre ele e levando filmes para serem exibidos em todos o Brasil.
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