Texto por Marco Fialho
Apesar do título apelativo brasileiro, Bolero, a Melodia Eterna, lembrando que o original é apenas Boléro, o filme dirigido pela cineasta Anne Fontaine é marcado por um requinte e um acabamento visuais de grande qualidade. Não que o tom adotado seja o do exagero, muito pelo contrário, na maior parte do tempo há precisão na execução.
O filme de Anne Fontaine esmiúça os preâmbulos da concepção do famoso Bolero de Ravel, além de mostrar as mudanças na rotina de vida do compositor Maurice Ravel depois do sucesso de seu Bolero. Há um visível cuidado da direção nessa reconstrução tanto de época quanto de personagens, todos muito bem desenhados e interpretados, com destaque para o ator Raphaël Personnaz, em um trabalho de composição espetacular, com uma contenção impressionante.
Apesar do trabalho de Fontaine ser impecável, há dois momentos questionáveis, mesmo que sejam de alguma forma compreensíveis. Me refiro ao começo e ao final. No começo, Anne quer mostrar versões das mais variadas do Bolero, e no final, um delírio de Ravel como maestro da própria música enquanto um bailarino contemporâneo faz uma performance. São peças que soam descoladas da história de Ravel e do tom adotado pela direção no restante do filme, e que por isso destoam do conjunto. Mas como esses excessos, ou se quiser chamar de estrepolias narrativas, estão na extremidade da obra de Anne Fontaine, elas não atrapalham o que está entre essas duas partes, que por sinal é muito bem realizado.
Mas a maior força que Bolero, a Melodia Eterna inspira é a elegância de sua mise-en-scène, sua câmera atenta aos detalhes que a direção de arte caprichosamente incrustou nas cenas. A sofisticação da música de Ravel está espelhada na imagem de Fontaine, que se ampara numa fotografia requintada, quente e muitas vezes calcada em um tom sépia. A direção sabe explorar enquadramentos sóbrios, que incorporam movimentos suaves da câmera, que almejam ofertar um conforto visual para o espectador.
É de salientar o cuidado que Anne Fontaine demonstra na construção da carreira de Ravel, atenta para que o compositor não fique restrito ao sucesso de Bolero. Em vários momentos ouvimos a sua música complexa, o esforço dele em elaborar uma sonoridade moderna, que dialogasse com os sons do mundo industrial. Nos Estados Unidos se encantou com o jazz e fez uma turnê em vários Estados. Mas é na volta que ocorre a encomenda de uma música para um espetáculo de dança, da qual nascerá o Bolero.
A visão construída de Ravel por Anne Fontaine é complexa, de uma personalidade incomum que se julgava comum. Uma alma sensível devotada à música, como ele gostava de dizer, ele era casado com a música e por isso nunca chegou a casar. Bolero, a Melodia Eterna é um filme agradável, que sabe seduzir o espectador com um misto de leveza e beleza cativantes. Uma obra para ser degustada como uma iguaria fina e sem grandes sustos narrativos.
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