Texto por Marco Fialho
Em As Três Amigas, o diretor Emmanuel Mouret vem coroar o seu enorme talento para fazer roteiros bem amarrados, perspicazes e com requinte de uma diversão que perpassa tanto os personagens quanto o público que está assistindo ao seu filme, assim como já havia realizado em seu ótimo trabalho anterior, Crônica de Uma Relação Passageira, exibido no Festival Varilux de Cinema Francês de 2023.
Emmanuel Mouret ratifica o seu apreço pelas narrativas românticas de Woody Allen, indo fundo nas comédias de costumes contemporâneas, cujas influências impregnam o seu estilo ao mesmo tempo pessoal e cativante. Para isso, ele conta com intérpretes afiados, capazes de construir personagens interessantes, pulsantes, que parecem saídos de uma esquina qualquer, tamanha humanidade que eles exalam quando estão em cena.
O filme inicia com um narrador onipresente, que com total liberdade começa a apresentar Lyon, cidade onde a história transcorrerá, e os personagens. A ideia pode parecer batida, mas Mouret sabe dar uma pitada original na maneira de apresentar a todos e depois ele próprio. Não sabemos de cara de quem se trata esse narrador e isso dá não só uma graça como uma vontade de não deixarmos cair em desatenção.
Não deixa de ser curioso a descoberta desse narrador, porque quando descobrimos quem ele é, entendemos o porquê dele ser o narrado e ter a sua voz em off. É bem criativo como o diretor manipula a presença e ausência desse narrador/personagem, ainda mais que tudo parece ter sido escrito especialmente para Vincent Macaigne, um dos grandes atores franceses de sua geração.
As Três Amigas me fez lembrar a canção Flor da Idade, do Chico Buarque, que diz "Carlos amava Dora, que amava Lia, que amava Léa, que amava Paulo, que amava Juca, que amava Dora, que amava..." Essa imprevisibilidade das paixões, dos sentimentos caóticos ditados pelo incontrolável destino. Tanto as coincidências quanto os desencontros todos são possibilidades latentes nas relações humanas e Mouret sabe brincar com esse jogo e fazer dele partícipe de uma trama que não deixa de ser diabólica.
As tais três amigas do título são Joan (India Hair), Alice (Camille Cottin) e Rebecca (Sara Forestier), todas querem amar, mas nem sempre as escolhas passam pelo racional. Joan, não sente mais paixão por Victor (Vincent Macaigne), e não sabe como dizer isso a ele e quando diz se sente culpada. Alice tem uma relação semelhante com Eric (Grégoire Ludig), mas mantém o casamento mesmo estando frio. Rebecca tem um amante secreto, cuja verdade pode ameaçar e abalar a amizade entre as três amigas.
O mais interessante em As Três Amigas é o roteiro super calibrado, que consegue surpreender e disparar diálogos inteligentes e muito eficazes para a trama. As reviravoltas são nada banais e o mais impressionante é que o segredo de Rebecca jamais é descoberto pelas amigas. Se fosse em um filme de Hollywood, com certeza esse seria o ponto de virada da história. Aqui o esperamos, mas ele nunca chega e isso é a pitada que tempera muito bem o filme.
O encantador em As Três Amigas são as reflexões que o narrador fantasma nos brinda, como "estar vivo, é ficar triste", deixando entender que depois da morte não é mais possível sentir nem alegria nem tristeza. A personagem de Joan é de longe a mais misteriosa e contraditória, diz que não quer ninguém só para transar, mas é a que mais acaba por conhecer homens depois da morte do marido. É dela uma das frases mais intrigantes do filme: "nem todo mundo foi feito para o amor". Será? Mouret gosta de deixar os espectadores curiosos. Isso é fato.
Por isso, os planos são executados com um misto de simplicidade e beleza. Os enquadramentos são impecáveis, a câmera não está ali para ser um personagem, a sua presença é comunicar e deixar os atores e atrizes à vontade. Mouret não é o cineasta dos closes, da intimidade. Ele sempre parece querer nos manter a uma certa distância tanto dos personagens quanto da história. O objetivo é sacramentar a história e nos reduzir a espectadores, cúmplices das artimanhas que ele sutilmente costura. Mouret aprendeu a lição hitchcockiana de relegar ao espectador o voyeurismo que lhe é de direito. Esse é o maior mérito de seu cinema, ter ciência do lugar que diretor, personagem, narrador e espectador cinematograficamente ocupam nesse ofício.
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