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APENAS ALGUNS DIAS (2024) Dir. Julie Navarro


Texto por Marco Fialho

Apenas Alguns Dias traz para discussão inúmeras questões relacionadas com a grande quantidade de imigrantes refugiados que chegam sistematicamente em Paris, vindos de muitos países asiáticos e africanos que estão enfrentando guerras civis ou invasões estrangeiras. 

A direção de Julie Navarro até se esforça em tentar esboçar diversas visões sobre o fato, contudo, a que prevalece e a que mais acompanhamos é a do personagem Arthur Berthier (Benjamin Biolay), um jornalista egresso da crítica musical, em especial do rock, que após uma punição por mau comportamento, volta a ficar disponível para fazer reportagens mais gerais e acaba sendo deslocado para fazer uma matéria sobre um incidente envolvendo os refugiados e a Associação Solidariedade Exilados. 

A estrutura narrativa estabelecida pelo roteiro e afirmada pela direção leva Apenas Alguns Dias para resultados quase sempre ingênuos em relação à temática, chegando até a romantizar várias das situações. A relação que se estabelece entre Arthur e a ativista Mathilde (Camille Cottin) parece comandar a trama, que assim oscila entre os dramas dos refugiados e a redenção amorosa de Arthur. Há ainda a inclusão de Daoud (Amrullah Safi), um jovem afegão que é abrigado na casa de Arthur, logo depois que a polícia francesa acaba com um campo de migração. 

O filme trafega entre o trabalho de Arthur tanto no jornal quanto nas ruas, o acolhimento de Daoud, o ativismo de Mathilde, o trabalho diário da Associação Solidariedade Exilados, o cotidiano da casa de Arthur. A diretora Julie Navarro parece confusa pelas inúmeras possibilidades que o filme apresenta e meio que se divide entre elas, sem potencializar numa delas. Acaba que nos perdemos em várias subtramas, que por um lado, parecem simpáticas e acolhedoras, por outras revelam uma dispersão em que tanto a história de amor não funciona plenamente quanto a própria história dos refugiados vai perdendo força no decorrer da narrativa. 

O maior abalo que Apenas Alguns Dias sofre é em decorrência dessas inúmeras frentes que a direção quer abarcar, cujo resultado mais severo é a de retirar o potencial político do filme, que por vezes dá sinais que vai embalar, mas logo se desconecta que é o primordial, se perdendo por demais em direcionamentos subjetivos que não permitem um aprofundamento político mais substantivo. O filme se prende muito nos dramas de Arthur, sua filha, Mathilde e a Associação, e pouco nos refugiados em si. Daoud é apenas um coadjuvante dos personagens europeus e esse é um problema real do filme.

O final de Apenas Alguns Dias não deixa de refletir todas essas questões levantadas acima, já que decide por um viés indeciso, preso entre o político e a história de amor. A ida a um restaurante para saciar os estômagos famintos de Mathilde, Arthur, sua filha e Daoud (e sua inclusão aqui é problemática) servem como uma metáfora de uma falsa conciliação, afinal, vários refugiados em paralelo, continuam esfomeados e desabrigados. Seria essa a melhor hora e forma de falar da fome e sua resolução?

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