Texto por Marco Fialho
O interessante da premissa da franquia Sorria, que agora avança para seu segundo filme, é que estamos diante de uma maldição que é sempre passada adiante, bastando a pessoa "infectada" (ou afetada) sorrir para alguém e morrer a seguir, transferindo a maldição para quem presenciou o sorriso. Essa estrutura de história abre caminho para que a "infecção" permaneça presente sempre em algum corpo. Implico, e muito, com as franquias hollywoodianas, que forçam em demasia a barra em continuações intermináveis e comercialmente lucrativas, o que por enquanto não ocorreu com Sorria, embora ainda seja prematuro para afirmar algo a respeito.
Sorria 2, dirigido e roteirizado por Parker Finn, propõe um cinema bem urdido e que joga com doses precisas de elementos enigmáticos, que dialogam com atributos psicológicos consistentes, além de bastante atuais. A coerência com a qual a direção consegue lançar mão de pontos de vista indeterminados, que não permitem, pelo menos de imediato, algo que colabore na identificação das motivações das ações dos personagens. O que mais gostei em Sorria 2 é o fato da protagonista, Skye Riley (Naomi Scott), ser uma pop star sob pressão, tentando se livrar de uma vida atribulada, cercada por drogas pesadas que ditaram seu passado recente.
A montagem de Sorria 2, assinada por Elliot Greenberg, é muito astuta, por tirar o filme da linearidade, afinal, estamos aqui penetrando na cabeça de uma personagem que não vive o melhor momento de sua saúde mental, mergulhada em um stress de trabalho num nível altíssimo, o que justifica vários excessos narrativos do filme. Nunca sabemos direito quando estamos presenciando um delírio psicótico, um pesadelo ou uma situação real da personagem. Se a personagem está em alta voltagem emocional, todos os elementos relacionados à imagem e som são elevados ao mesmo patamar, o que causa uma desorientação permanente no espectador. Os nossos sustos conversam demais com os delírios da personagem e nos tiram momentaneamente, a capacidade de discernimento.
O que Sorria 2 acaba por fazer é um estudo não do universo em si das grandes divas pop, o que seria mais óbvio e previsível, mas sim adentrar no estado mental delas. Os compromissos com publicidade, as agendas enlouquecidas de tão lotadas, a pressão de servir a uma indústria que vende a imagem que o grande artista tem muita sorte por ter sucesso, e que é preciso reafirmar suas qualidades a todo instante, fazem parte da rotina dessas celebridades que mal conseguem fazer ações rotineiras em espaços públicos. Ser reconhecida em um bar, por exemplo, pode se tornar algo incontrolável, a ponto de ter que se retirar do recinto.
Outro aspecto oportuno presente em Sorria 2 é o quanto esse projetos artísticos que envolvem mega estruturas do show business funcionam com o aval dos pais, que estimulam os filhos a se tornarem milionários desde a mais tenra idade. É o caso de Elizabeth Riley (Rosemarie DeWitt), mãe de Skye, que empresaria a filha e a impulsiona para uma entrega máxima como artista, deixando o mercado manipular a seu bel prazer todos os seus passos da vida pessoal. Por isso, a cena em que há o enfrentamento entre mãe e filha se constitui um dos pontos altos do filme.
Sorria 2 se calça muito no trauma de Skye quando ela está vivendo o ápice da sua crise emocional, após provocar um acidente no qual morre seu namorado. Mas além disso, tem o próprio ato de sorrir que adquire um viés metafórico, por ser a ação mais presente no cotidiano dos artistas. Nas artes em geral, tem-se sempre a ideia de que aconteça o que acontecer, o artista deve sorrir. E essa necessidade do sorrir está impregnada em toda a sociedade capitalista atual, que prega o sorriso como um veículo do ganho financeiro, numa constante simulação falsa do bem estar.
O que Sorria 2 mais inspira é um clima aterrorizante, a ponto de gerar uma imensa angústia no espectador. Há apenas cenas pontuais de violência extrema, talvez a mais grave delas, a que mostra o momento em que Skye adquire a maldição de Lewis (Lukas Gage). Mas Sorria 2 não chega ao cúmulo de exibir cenas de gore, pois até a violência de Lewis não chega a ser um banho de sangue, embora a deformação que vemos do seu rosto seja impactante até para as mais frias das pessoas.
O roteiro de Sorria 2 possui um desenvolvimento muito bem arquitetado, fiquei até a refletir se ele não seria mais linear e que a decisão de por o filme em aparente desordem foi decidida na hora da montagem. E a ideia de por algumas cenas de ponta a cabeça, de quem seria? Durante a fruição do filme, fiquei a relacioná-lo bastante com o recente A Substância, de Coralie Fargeat, por levar igualmente ao extremo uma decisão sobre o corpo da personagem, mesmo que o filme estadunidense não se concentre apenas no corpo de sua protagonista.
Se Fargeat leva sua Elizabeth à monstruosidade, na cena final de Sorria 2 acontece o mesmo, lógico que há nuances diferentes nos dois casos, já que aqui o monstro vem literalmente de dentro dela, sendo mais metafórico do que real. Já o da atriz de A Substância, ela se metamorfoseia pela aparência, não é uma projeção de sua mente, mas sim resultado físico de uma transformação. O aspecto mais imaginativo e delirante de Skye creio que leva Sorria 2 para um viés mais psicológico, por isso mesmo, menos gráfico do que acontece no filme francês. O aspecto de crise mental do filme estadunidense amplia o resultado e suscita mais perguntas do que afirmações, o que eu considero um ganho a mais para ele.
Entretanto, o que dizer do final de Sorria 2? Pode-se dizer que ele é bastante criativo e leva o espectador a pensar no próximo Sorria e ainda nos faz indagar: como será resolvido a sacada do "contágio" a partir da última cena? Realmente, esse foi um golpe de mestre do diretor Parker Linn que só descobriremos no lançamento do terceiro filme.
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