Pular para o conteúdo principal

SEBASTIAN (2024) Dir. Mikko Mäkelä


Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho

Obras com personagens que mergulham numa determinada atividade profissional para dela extrair ideias e narrativas seja para um livro, peça ou filme, já vimos bastante pelas artes. Porém, o viés de um personagem LGBT inserido nela, já não é tão comum assim de ver. A proposta de Sebastian é acompanhar as aventuras e desventuras sexuais do garoto de programa Sebastian, personagem criado pelo aspirante a escritor Max (Ruaridh Mollica) para si mesmo nas redes sociais. Max é um jovem sedutor e ambicioso que transita no mundo literário, ora como jornalista ora como escritor de contos e romances.  

Sebastian é um drama erótico LGBT muito bem produzido, escrito e dirigido pelo cineasta finlandês Mikko Mäkelä, que é radicado em Londres. A narrativa se baseia na trajetória linear do jovem escritor Max Williamson, interpretado com competência e brilho pelo ator escocês-italiano Ruaridh Mollica. Entretanto Max não pode usar seu nome verdadeiro nas redes sociais e nos aplicativos de celular, afinal o emprego dele não pode ficar em risco. 

Sebastian se calca desde a primeira cena na fisicalidade de sua proposta, com cenas ousadas de sexo entre homens. O filme se apoia em uma proposta visual requintada, com uma fotografia majoritariamente noturna que prioriza os tons azuis e neon, o que valoriza os espaços que servem de cenário, como a redação de uma revista importante de variedades e cultura, fora os ambientes frequentados pelos abastados personagens mais velhos que são os clientes de Sebastian. A movimentação espacial de Sebastian perpassa tanto Londres como Bruxelas, o que ajuda a dar um dinamismo à narrativa.

Mollica se adequa muito bem ao personagem de Sebastian tanto por suas características físicas quanto pelo ar de bom moço que imprime ao garoto de programa, muito requisitado por homens idosos. Em um desses programas conhece o intelectual Nicholas, interpretado pelo experiente ator australiano Jonathan Hyde, que colabora para narrativa ganhar mais consistência dramática. A dupla funciona muito bem em cena, imprimindo bons momentos de companheirismo e envolvimento afetivo, a ponto de Nicholas colaborar emocional e financeiramente para Max concluir suas pesquisas sexuais e terminar o romance Sebastian, nome de guerra usado nos programas. Nicholas descobre que Max frequenta o mesmo ramo, o da literatura, o que faz o jovem não conseguir mais esconder sua identidade verdadeira e o filme passa a viver esse drama particular de Max. 

Esse encontro possibilita uma virada no filme, mas precisamos ponderar o quanto o personagem de Nicholas, um professor de literatura culto, acaba sublinhando valores clássicos europeus e consequentemente o corpo padronizado do jovem garoto de programa. Fora isso, o diretor abusa do whisky e do vinho como simbólicos de um universo refinado. Essas ideias e ideais fazem agregar uma visão mais elitista ao drama queer inicial e retira dele possibilidades mais amplas de transgressividade, ao abordar personagens brancos, cis, intelectualizados, bem formados e ricos. 

Para quem busca um filme refinado e ousado, Sebastian pode agradar e muito, mesmo que às vezes o filme se perca em modelos estereotipados de como vencer na vida e ainda cultive padrões já defasados de beleza clássica. Um mérito do filme são as interpretações de Mollica e Hyde, que podem ser assinaladas como o ponto alto do filme. Outro mérito é a direção conseguir sustentar a narrativa clássica injetando cenas quentes de sexo, além de levantar questionamentos interessantes sobre a difícil profissão de escritor tanto no que tange à criatividade do autor quanto a de se inserir em um mercado que sistematicamente quer dizer o caminho no qual o escritor deve seguir.    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...