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RAMONA - UMA HISTÓRIA DE AMOR À PRIMEIRA VISTA (2023) Dir. Andrea Bagney


Texto por Marco Fialho

Não é muito comum vermos comédias românticas pelo cinema europeu. Ramona - Uma História de Amor à Primeira Vista é por isso uma obra que já nasce diferente. Tem uma graça que em boa parte vem do carisma da atriz Lourdes Hernández, que interpreta a personagem-título. Mas confesso que o encanto presente no início, se perde no transcurso do filme. 

Não sei se essa estrutura, cada vez mais usual, de dividir os filmes em partes, e nomeá-las com subtítulos é tão interessante assim. É como se a direção quisesse direcionar nosso olhar para a obra. É bem mais desejante quando a direção nos deixa livre para desenhar uma história por nós mesmos, sem algo a nos limitar a percepção. O ápice acontece na última parte quando lemos "o final". A direção assim quer nos preparar para o término do filme, já não há mais tema, apenas o fim. Quer algo mais sem graça que isso?  

Na história do filme, Ramona é uma atriz que está a mudar de vida, está morando em Madrid, mais precisamante no bairro Lavapies, e sonha com um papel que lhe possibilite viabilizar a carreira artística. Ela está informalmente casada com Nico, um garçom que a incentiva na profissão de atriz e não demonstra nenhum sinal de ciúmes, mesmo quando percebe que o diretor do filme está caído por Ramona. Essa é uma premissa que enfraquece Ramona - Uma História de Amor à Primeira Vista, essa ausência de sentimentos de Nico, que parece querer se livrar o tempo todo de Ramona. 

Toda a potência que Ramona - Uma História de Amor à Primeira Vista poderia ter não acontece. O filme se perde em meio aos ensaios intermináveis de um filme que parece desimportante, que não tencionam a trama ou sequer trazem elementos instigantes para o filme. O diretor apaixonado, Bruno, fica a todo o instante babando Ramona e isso não agrega muito à história. Inclusive, o filme, sob um aspecto político é nada transgressor ao mostrar uma mulher cujo marido fica a dizer o que ela tem a fazer e como ela está sentido o amor. Ramona não se assume como personagem autônomo, vai sendo guiada ora pelo marido ora pelo diretor.

Mesmo que Ramona seja potencialmente uma ótima personagem, o filme não encontra um caminho e por isso a força dela vai se desfazendo na tela. Não há um roteiro que dê conta de uma força que está presente e não acontece. O filme caminha entre o processo de um filme e a angústia de Ramona, embora não se haja espaço para se entender muito dessa crise amorosa da atriz. Nico sempre a dispensa, a despreza e ela continua ali, aceitando o jogo desinteressante dele. Ramona luta contra a atração que sente por Bruno, mas o filme parece estar mais indeciso que ela a respeito. Ela resolve conversar sobre os sentimentos dela com Bruno, isso por sugestão de Nico, como se não fosse essa uma decisão a ser tomada por ela, o que retira mais uma vez a força da personagem.        

O que compromete Ramona - Uma História de Amor à Primeira Vista como comédia romântica é a diretora se deixar levar por uma excessiva racionalização dos sentimentos, lembrando até algo recorrente que acontece muito no cinema francês e pouco no espanhol, normalmente mais voltado culturalmente ao irracionalismo. 

Fica então a pergunta: como falar de amor com tanta mediação da razão? O filme se encaminha com o seu arrastado fim, com Ramona perseguindo Bruno, que agora faz corpo mole. E Nico sempre fiel às suas mesmas atitudes de distanciamento. E ao final, Ramona olha para nós. Sim, agora, Ramona parece querer incluir o público na sua difícil decisão. Me lembrei, de súbito, daquele programa de TV: "Você Decide". Mas fica no ar uma pergunta: a decisão sobre o corpo de Ramona não deveria ser sobretudo dela mesma?

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