Texto por Marco Fialho
O filme de terror mais terrível é quando ele retrata algo que efetivamente aconteceu. É o caso de O Banho do Diabo, dirigido pela dupla Severin Fiala e Veronika Franz, que viaja até o século XVII para contar a trajetória de Agnes (uma Anja Plaschg, simplesmente fantástica), uma mulher massacrada pelas mentes obtusas de uma sociedade patriarcal opressora às mulheres, calcada em valores religiosos que normalizam e instauram a infelicidade aos corpos, especialmente os femininos.
Disse corpos acima, no plural, porque o marido de Agnes também não se realiza nesse contexto social, já que em algumas cenas é sugerido que deseja corpos masculinos e não femininos. Assim, o casamento com Agnes não parece igualmente completa-lo, já que jamais irá tocar no corpo de Agnes, por mais que ela se ofereça insistentemente.
A dupla de diretores busca a todos instante estabelecer a atmosfera de terror, mas do que realmente se utilizar das estratégias narrativas desse gênero. Em O Banho do Diabo, o terror está na própria história, não nos recursos utilizados. Aos poucos, vamos conhecendo as regras que regem aquela sociedade do interior da Europa, os ditames feudais que ali sobrevivem com pujança.
Como a sociedade é regida por valores muito rígidos, os suicídios e assassinatos não eram raros, e os responsáveis não eram considerados abençoados por Deus e não eram enterrados. Seus corpos ficavam expostos na floresta que cercava as residências, para que todos lembrassem exemplarmente dos atos cometidos que infringiam as leis morais do local. Era comum mulheres assassinarem filhos e outras crianças para os impedi-los de tornarem-se pecadores.
A fotografia reafirma a rusticidade do ambiente, seu aspecto sombrio, mesmo nas cenas à luz do dia. A direção de arte também é cuidadosa em oferecer detalhes malignos para as cenas, com cabeças cortadas sendo exibidas com frequência em cena. Cada imagem que vemos sugestiona, e muito, o clima de terror que ronda o filme. O som é outro elemento que entra na trama para salientar a angústia permanente de Agnes.
É desesperador, às vezes até insuportável mesmo, acompanhar a trajetória de Agnes, tentando sobreviver a rotina cruel dos afazeres domésticos e o desprezo sexual do marido que jamais se interessa por ela, numa sociedade onde a espera de um filho é vista como uma peça primordial na engrenagem perpétua. É chocante as imagens de autoagressão em que Agnes reagia aos abusos sofridos, desde cortar a sua língua até tentativa de suicídio com veneno de rato.
Por tudo isso, O Banho do Diabo não é fácil de ser assistido. Talvez haja mesmo alguns excessos visuais na trama, sobretudo porque o seu terror vem da crueza de mostrar imagens realistas apavorantes de uma época que talvez ainda não tenha sido totalmente enterrada. A intolerância religiosa e a agressão constante ao corpo feminino se fazem presentes em um mundo em que muitos flertam com valores anacrônicos típicos da medievalidade e das práticas do patriarcado que teimam em subsistir.
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