Texto por Marco Fialho
Uma das leituras possíveis de O Aprendiz, filme dirigido por Ali Abbasi (Border - 2018 e Holy Spider - 2022), vai além do retrato em si que se faz do personagem Donald Trump (Sebastian Stan), por mostrar as estruturas econômicas e sociais que permitem a eclosão de um monstro, de como o diretor sabe tirar suco do contexto histórico do qual começou a ser gerado, mais precisamente, a partir dos anos 1980, da grande abertura que o Governo Reagan deu para que empresas do ramo financeiro e também outros empresários se tornassem gigantes e praticassem o canibalismo capitalista.
Acredito que o filme O Aprendiz diz muito respeito às práticas devoradoras adotadas nos anos 1980 na economia dos EUA. Roy Cohn (Jeremy Strong) é um personagem mentor, que encarna essa fúria destruidora capitalista da época. Logo de cara, vemos os seus valores sendo explanados, como as 3 regras para vencer: atacar, atacar e atacar. A normalização dessas atitudes vis, como a chantagem, a ameaça, a violência verbal. Como dizia Roy Cohn: "não foque na bola, mas sim no jogador, você deve atacar direto nos seus adversários".
A direção proposta por Ali Abbasi lembra muito a cadência de alguns filmes de Paul Thomas Anderson, de usar a vertigem de uma época como ritmo para a sua trama. Músicas da Era da Disco são utilizadas para ajudar a nos inserir na trama. A maneira acelerada e desproporcional de Trump levar a vida está embutida na própria agilidade narrativa de O Aprendiz. Em certo momento, Trump afirma que "os negócios são a minha arte" (numa inspiração que Ali Abbasi sugere que vem do multiartista Andy Warhol), e diz isso sem esboçar nenhum traço de vergonha. Por isso, podemos considerar que esse é um filme sobre a ascensão econômica de um ser monstruoso, inescrupuloso e venal, disposto a tudo para obter mais dinheiro, até mesmo enganando a própria família.
Ali Abbasi é muito feliz ao desenhar esse personagem, e a construção de Sebastian Stan como Trump se mostra muito eficaz, na sua ascensão de aprendiz à mestre, de lentamente indo assumindo um olhar de devorador de almas, de desprezo pelo outro. O papel de Roy Cohn é perfeito como aquele mestre que cultiva e aguça as piores atitudes e pensamentos do aluno, que por sua vez, se mostra exemplar e disposto a suplantar o mestre.
O lado animalesco de Trump vai sendo alicerçado cena a cena, até o seu desfecho, onde em conversa com seu biógrafo ele assume a importância de seu instinto assassino, do seu imperioso questionamento sobre a existência da verdade e o de nunca admitir a derrota. Um dos mandamentos de Trump é o do ataque incessante aos inimigos, que se paramos para pensar são todos os indivíduos do mundo. Para Roy, seu mentor e advogado, ele arma para que perca a licença profissional, mesmo sabendo que o mesmo está com AIDS em processo avançado. À primeira esposa, ele diz não ter mais tesão por ela, e de maneira pervertida, a estupra violentamente.
A construção narrativa de Ali Abbasi é impecável, ágil e clara, sem papa nas línguas. Não encobre o mau caratismo inerente ao sistema político, nem poupa a estrutura jurídica corrompida que permite que seres abjetos como Roy Cohn e Donald Trump vençam financeiramente na vida cometendo vários crimes, golpes e chantagens. Não resta dúvida que o diretor vê Trump como um bandido de colarinho branco, capaz de tudo para ampliar sua fortuna e o seu poder.
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