Texto por Marco Fialho
Lidando com os Mortos, estreia em longas ficcionais da jovem diretora norueguesa Thea Hvistendahl, é um instigante drama com terror, ou, se preferir, um terror dramático narrado a partir de poucos diálogos e imagens impactantes. Imagina se algum morto de sua família um dia qualquer retorna a sua casa, sem aparente razão? Essa é a premissa que a diretora parte para recriar a vida de três famílias diferentes em um verão em Oslo.
O filme não pretende estabelecer respostas prontas, ou muito menos definitivas, sobre questões que envolvem as famílias e suas relações antigas com os mortos. Perdas e memórias fazem parte do espectro do contexto das mortes. Thea Hvistendahl monta o seu ambiente cinematográfico onde cabe muitas interpretações. Não sabemos se os mortos estão realmente agindo ou se tudo que vemos são reflexos emocionais dos vivos, que não se conformaram com as situações de cada morte.
Se numa das histórias, uma senhora se ressente da morte da velha amante e companheira, noutra o avô desenterra o neto na esperança de trazê-lo a vida. Já um marido vê a esposa entre a vida e a morte (mais para esta última) numa cama de hospital. Apesar de todos estarem em estado catatônico, determinados episódios ou fatos podem fazer os mortos reagirem com extrema contundência. Assim, mortes de pessoas e bichos acontecem com extrema violência, algumas explícitas, outras não.
Não há derradeiramente uma atmosfera clássica de terror. O drama parece sempre prevalecer sobre o terror que está sugerido pela presença física dos mortos, mas o enfoque é sempre nas relações entre os parentes vivos e seus respectivos mortos. Como personagens, os mortos não falam e pouco reagem perante os fatos, mas quando o fazem é sempre com muita intensidade. Dá para ficar na dúvida se esses mortos não são criação inconsciente dos vivos, de suas culpas em relação a eventos que levaram seus entes à morte.
Há na trama uma imbricação mais intimista do que grandes sobressaltos, como ocorrem corriqueiramente nos filmes de terror. Contudo, isso não quer dizer que não haja uma atmosfera que lembre os filmes de terror, sobretudo os filmes de zumbi. Os mortos estão a criar uma tensão permanente na trama. A narrativa sem pressa, contida e com enquadramentos sempre que sugerem uma ideia inesgotável e aberta às variadas interpretações traduzem a força da direção.
Lidando com os Mortos traz ambiguidade, ressentimento e mistério em seu bojo, afinal, o filme mostra que não é só de amor que se exprime uma família. Outros sentimentos estão presentes e o mais interessante é ver o quanto o fazer ou o deixamos de fazer, se inserem na memória familiar e a jovem Thea Hvistendahl sabe explorar com sensibilidade as faltas e ausências na sua trama. Lidando com os Mortos nos deixou curiosos para o próximo filme dessa promissora diretora.
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