Texto por Marco Fialho
Black Tea - O Aroma do Amor dirigido pelo diretor da Mauritânia Abderrahmane Sissako, é um típico filme em que a protagonista nos conduz pela mão durante toda a trama. É o caso de Aya, interpretada com imensa sensibilidade, talento, beleza e sedução por Nina Mélo. A força dela em cena tem o poder de aturdir até o mais sereno do espectador. Em diversas cenas, bastou o olhar para fazer com que queiramos apenas o seu bem. E isso não acontece em todo o filme, é poder reservado a poucos e poucas.
Evidente que a direção de Sissako também tem a sua parcela nessa história ao trabalhar com imensa habilidade narrativa uma ideia da necessidade do multiculturalismo no bojo da trama de Black Tea - O Aroma do Amor. O filme começa na Costa do Marfim, mas logo será migrado para a China, e mais especificamente, para uma cidade tomada por uma população vinda de diversos países africanos. A montagem não age aqui para manter uma linearidade, ela passeia por tempos e países sem maiores explicações ou legendas, forçando o espectador a descobrir ou deduzir sobre os diferentes espaços nos quais os personagens vagueiam.
O olhar de Sissako esbarra sistematicamente no detalhe, em nuances que instauram às vezes perguntas e em outras simplesmente beleza, como a cena inicial em que uma formiga, em plano detalhe, passeia numa superfície branca indefinida. Depois do corte vemos que era numa roupa de casamento. Essa é uma cena fundamental, na qual a protagonista está para decidir se diz sim ou não para o noivo. As cenas de preparação do chá são muito importantes por destacar os cuidados milimétricos que revelam um ritual. Esses rituais muito dizem sobre a personalidade de Aya, de sua sensibilidade para explorar a riqueza de cheiros e aromas do chá.
Durante esses rituais de degustação do chá ocorrem um processo de sedução entre ela e o seu chefe, Cai Wang (Michael Chang). Sissako lentamente vai desvelando os preconceitos raciais de chineses mais tradicionais, que não estão satisfeitos com a presença de tantas pessoas de origem africana circulando pelas ruas, trabalhando em lojas... e sobretudo, amando chineses. A fotografia quente de Aymerick Pilarski, torna o ambiente sedutor e acolhedor, assim como o luxuoso figurino que complementa uma ideia de requinte à trama.
Aos poucos, Sissako tira da manga de seu roteiro algumas surpresas, como a filha que Cai Chang teve em uma visita a Cabo Verde. As história vão se cruzando e os personagens fabulam suas histórias de dor e separação. No último terço, a esposa de Cai Wang ganha uma importância, sobretudo pelas ideias sensatas que começa a proferir. Uma pena essa personagem não ter tido maior participação, pois o talento da atriz Yu Pei-Jen poderia ter sido melhor aproveitado.
A parte final reserva discussões fundamentais levantadas durante a projeção de Black Tea - O Aroma do Amor. Chang está tomando vinho em sua casa com Aya, e eis que chega a esposa, o filho e os sogros. A visita inesperada faz com que Aya tenha que ir para o quarto. Do quarto ela escuta as injúrias racistas sos sogros de Wang. Acontece um bate-boca na mesa, mas é o canto ancestral de Aya que transforma tudo, como se a beleza recolocasse as coisas em seu devido lugar.
O multiculturalismo é a grande chave de Black Tea - O aroma do Amor. Ele faz uma mulher negra aprender os mistérios mais enigmáticos da chá chinês. Nos bares, os chineses aprendem canções de Cabo Verde e outros países africanos. Como diz a esposa de Cai Wang, "todas as coisas estão conectadas". As barreiras da intolerância precisam ser, uma a uma, derrubadas. O cinema é um instrumento importante na luta contra os preconceitos e esse filme reafirma isso. O momento de acabar de vez com o colonialismo é agora. As diásporas estão aí para ratificar e encerrar com os ciclos de intolerância e preconceito.
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