Crônica por Marco Fialho
As formigas são seres fantásticos. Elas não param jamais, constroem, carregam um peso descomunal, se articulam entre si e são colaborativas. Eu amo também estar em movimento, mas resolutamente eu não sou uma formiga e não há ironia alguma nessa sentença.
Eu amo parar e ver coisas bonitas acontecerem na minha frente, sem que eu possa interferir em nada. Observar a chuva numa varanda e ouvir as suas gotas tocarem nas folhas a fazerem um som reconfortante, equivalente a um sorriso, por receber um sortilégio vindo dos céus. Um sorriso delas que se amplia em mim.
Sim, eu estou escrevendo numa varanda, enquanto a chuva cai sem pedir licença a ninguém. Podia estar nervoso por vê-la cair e impedir minha ida à praia. Mas é um presente observar sua força magnânima e abençoada. A terra parece se abrir para recebê-la. Meus ouvidos e olhos extasiados estão em nirvana, se purificando com o seu encanto.
A rede a balançar gera um barulhinho bom de preguiça, mas meus sentidos não estão a descansar, estão inebriados por tanta beleza, o verde que se apresenta como uma parede a me cercar de paz e felicidade interior. O jardim me pergunta que mundo se construiu lá fora a ponto de nos tornarmos insensíveis a simples existência dele. Não tenho a resposta, apenas o benefício da dúvida sobre os descaminhos traçados por interesses econômicos que apesar de me afetarem estão, no instante, distantes de mim. A única certeza que tenho, no momento, é que os jardins pertencem às borboletas e aos passarinhos. Os outros seres o usufruem por generosidade desses seres voadores maravilhosos.
O que dizer das cambaxirras passeando por brincos de princesa benfazejos e sorvendo néctar para sua subsistência e brindando nossos olhos com o sacolejar de suas asas brilhantes. E as brincadeiras que fazem na poça d'água, molhando os passantes que se atrevem a caminhar pela garôa displicente que insiste ainda a chispar a terra, já quase triste com os pingos cada vez mais rarefeitos que recebe dos céus, que ainda há pouco foram tão generosos para com ela. A terra molhada não se contendo, exala aquele famoso odor revigorante. E o voo lento das borboletas por dentro das folhagens como se elas fossem suas ruas e avenidas.
A vida assim descrita pode parecer miúda, e até é, mas o usufruir dessas miudezas são grandezas para a alma e só quem presencia essas formas do viver, aparentemente alheias aos nossos olhos, é que sabe a força que há no sopro de uma brisa em um dia de chuva, para quem por sorte está em um jardim repleto de vidas e mistérios.
Sem palavras
ResponderExcluir(mas o texto me levou a tantas imagens belas, e a percepções sonoras, olfativas..,
e tb ao sentimento de gratidão).
Um ótimo dia p/vocês!