Texto por Marco Fialho
A Semente do Fruto Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, é aquele filme que se pode classificar como pedrada. O diretor investe diretamente na estrutura autoritária do Estado iraniano, com uma trama que mescla drama e suspense, a partir de uma narrativa que explora o seio de uma família, cujo o pai, Iman (Missagh Zareh), está em ascensão no governo, mas precisará também administrar, em paralelo, a esposa Najmeh (Sohella Golestani) e duas filhas adolescentes dentro de um contexto de demasiada pressão. O filme resgata a parábola apontada no título, que serve como uma metáfora contra o regime autoritário no Irã, de uma semente que brota a partir dos pássaros que comem as sementes do figo e as expelem pelas fezes em outras árvores, que germinam nos galhos dessas árvores hospedeiras e crescem até estrangular e matar, para que a figueira hospedada sobreviva e assim cresça. No filme, igualmente, o governo se infiltra na família de Iman até a aniquilar.
A história de A Semente do Fruto Sagrado segue uma organização narrativa clássica, cronológica e linear, com tensões que vão se acumulando até a sua resolução na sequência final. E vale pensar que essa resolução não vem a resolver o problema político do Irã, nem tampouco a dessa família que continuará, assim como toda a sociedade, sob os auspícios do governo coercitivo dos xás, que impõe às mulheres rostos cobertos, a subserviência aos homens e um desejado silêncio.
A Semente do Fruto Sagrado abocanhou o prêmio especial do júri no Festival de Cannes, quando muitos esperavam o prêmio máximo, a Palma de Ouro, além de diversos outros prêmios internacionais em San Sebastian e Locarno. O diretor Mohammad Rasoulof precisou fugir cladestinamente do Irã para poder comparecer em Cannes, não tendo retornado depois ao seu país, que o condenou a cinco anos de prisão e várias chibatadas. Muito devido a esses fatos, o filme adquiriu uma grande importância política e notoriedade internacional, por ser considerado uma ameaça real ao governo islâmico instituído.
O destaque que a direção confere aos papéis femininos além de compreensível e fundamental, já que o filme retrata o período das manifestações contra o governo, que aconteceram depois do assassinato de Mahsa Amini pelas autoridades policiais, em 2022. No filme, reafirma-se a participação de uma nova geração que não aceita mais as leis restritivas impostas secularmente às mulheres. Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki) são as jovens filhas rebeldes do filme, dispostas a mudar o destino de suas vidas oprimidas, na qual a presença do pai simboliza em casa o poder autocrático dos xás.
A sequência final em que A Semente do Fruto Sagrado chega em seu ápice de suspense, ocorre em meio a um labirinto arquitetônico nas montanhas de uma cidade interiorana, longe da capital Teerã onde o restante do filme se desenrola. A situação é perfeita, todos estão no labirinto, numa fuga de gato e rato onde a câmera gira, além de entrar em diversas portas, que só aumentam a sensação de vertigem no espectador, ao implementar uma ideia de ação não muito comum no cinema iraniano.
Mas o filme vai além disso, pois nas cenas anteriores, passadas em Teerã, os dramas da família e as pressões políticas no pai são crescentes e igualmente tensas. Mohammad Rasoulof cria uma atmosfera lúgubre no apartamento da família, por meio de uma fotografia expressiva que gera um clima claustrofóbico nas cenas, em especial quando a angústia do ambiente externo invade a casa da família, primeiro com uma amiga de Rezvan ferida, que ela leva para a casa, depois com o desaparecimento do revólver do pai, que estava na cômoda de seu quarto.
É interessante como a direção também constrói a personagem da mãe, Majmeh, como um fiel da balança, como uma ponte entre o marido e as filhas, e porque não, entre o sistema e a resistência a ele. A sua presença é crucial para se pensar a perspectiva feminina no Irã atual, uma mulher que é obrigada a viver sob a guarda opressiva do marido (já que o pai dela era um alcóolatra e sem destino, e Imal, é um homem bem-sucedido), mas ela esboça ações imprevisíveis e pode render surpresas, que a faça pender para o lado da justiça, caso a história mostre a ela justificativas plausíveis de libertação.
No todo, A Semente do Fruto Sagrado promove uma crítica social contundente e uma denúncia contra o regime de exceção imposto pelos xás iranianos, que usa de uma estrutura clássica para se comunicar com veemência com o público mundial, já que o iraniano não vai poder tão cedo assistir a um filme de um diretor que está condenado politicamente pelo status quo. Mohammad Rasoulof chegou a dizer em entrevistas, que filmou tudo na clandestinidade, sem a anuência do governo. O mais espantoso é a qualidade fotográfica e sonora do filme, que mesmo filmado em situação adversa, se revela tecnicamente acima da média. Um feito e tanto para um cineasta banido pelo governo.
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