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A CASA (2024) Dir. Álex Montoya


Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho 

A Casa, filme do diretor espanhol Álex Montoya, tem como tema principal o espólio do pai falecido, uma casa de campo no interior da Espanha que tem como herdeiros dois irmãos e uma irmã. Como o título sugere, o encontro dos três irmãos e suas famílias, ocorre nesta casa que carrega uma grande carga de memória para todos que a dividiram tanto durante à infância quanto em outros períodos da vida.

O diretor utiliza o recurso de uma janela menor, em formato 4x4, e uma fotografia em sépia, para puxar diversas cenas de flashbacks que situam e mergulham o espectador nas memórias de infância dos irmãos pelos espaços da casa. A Casa pode ser considerado um filme sobre a relação dessa família, que no presente está afastada, com cada irmão vivendo imerso na família nuclear que construiu na vida adulta. Com a morte do pai, o que vemos é um reencontro entre o antigo núcleo familiar formado pelos irmãos, que vai revelar as diversas contradições do passado mais remoto e do tempo em que passaram afastados. O sucesso do irmão escritor irá contrastar com o fracasso profissional do irmão mais velho, que está à beira da falência. Essas diferenças aparecem em diversas rusgas e são inseridas nas discussões que envolvem a venda ou não da casa, cujo valor está para além de seu estado físico atual, já que foi de imensa carga afetiva para o pai.   

O roteiro de Álex Montoya e Joana M. Ortueta procura revelar aos poucos os personagens envolvidos, conforme cada um vai chegando na casa para passar o final de semana juntos, para fazerem alguns consertos, combinar a venda da propriedade e resolver pendências afetivas do passado. Os encontros, conversas e desavenças vão se avolumando no início, mas aos poucos as tensões cedem lugar às memórias afetivas, principalmente quando as primas uma adolescente e a outra criança trazem leveza às relações familiares dos pais e tios.

O luto também assume importância na narrativa e acaba aproximando os irmãos e a irmã distantes por circunstâncias da vida de cada um. Algumas acusações em relação aos cuidados com o pai na ocasião de sua operação e doença também fazem parte dos conflitos. Mas a cena do abraço entre os três irmãos marca a carência e o sofrimento dos três, que traziam sentimentos de culpa em relação à atenção dispensada ao pai na velhice. 

Há uma dose significativa de nostalgia e melancolia em A Casa. Algumas cenas transbordam um sentimento de perda, de um passado que todos sabem que não voltará, o que deixa um amargor dilacerante na boca do espectador. O olhar de cada um para o quintal suscita uma lembrança cortante, que chega acompanhado pela beleza da capacidade de reviver lembranças boas, com uma música que acentua as emoções que já estão em cena.     

O quintal com árvores frutíferas e as conversas embaixo da laranjeira cheia de frutas, e da figueira que nunca deu frutos, traz um simbolismo às relações que ora dão certo e em outros momentos não frutificam. Inclusive um vizinho idoso, amigo da família também traz contribuições importantes para compreendermos os sentimentos do pai em relação aquela casa tão querida por ele. 

A venda da casa não deixa de representar também uma segunda morte do pai, que cultivava a casa como se fora uma árvore frutífera e a figueira está ali como um simbólico dessa necessidade de cuidado para que o futuro de uma determinada família não se transforme em ruínas. A Casa lá no fundo quer expressar o declínio de um tipo de organização familiar tradicional, que desmoronou com a dispersão que a vida urbana contemporânea provocou na ideia de união que está cada vez mais se extinguindo. Esse fato traz, ao final, um sensação de fenecimento, que se instaura tanto nos personagens quanto nos espectadores, de um mundo que não mantem os laços familiares de antes. 

E logo depois que a casa enfim é vendida, vemos o vizinho resgatar uma muda da figueira que o pai cuidava com tanto esmero. Nessa cena, o diretor Montoya mostra o quanto essa ideia de permanência faz parte de uma determinada geração que está chegando ao fim. O que só faz crescer a tristeza e a impotência dos espectadores.        

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