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PISQUE DUAS VEZES (2024) Dir. Zoë Kravitz


Texto por Marco Fialho

A estreia da atriz e modelo Zoë Kravitz não podia ser mais bem sucedida com Pisque Duas Vezes. O filme pode ser interpretado como um terror com fortes pitadas dramáticas e teor fortemente feminista. A direção explora bem a atenção, as expectativas e os olhares do espectador, que a todo instante tenta entender o que está por trás de uma trama que não entrega de cara seus maiores trunfos. 

Pode-se dizer que o elenco feminino é a grande força de Pisque Duas Vezes, encabeçado pelas atrizes Naomi Ackie (Frida), Adria Arjona (Sarah), Alia Shawkat (Jess), Geena Davis (Stacy), Liz Caribel (Camila) e uma assustadora Maria Elena Olivares (Badass Maid). Zoë Kravitz articula uma história em que a sedução da riqueza e o apreço pela aparência tem um impacto no que vemos. Quando Slater King (Channing Tatum), um bilionário, surge na trama, tudo parece perfeito, mas sua habilidade para atrair mulheres para a sua ilha é imensa, nem personagem nem público sequer desconfiam que algo possa dar errado. 

Frida e Jess são garçonetes em um evento promovido por Slater King. A sedução é tanta que as férias sonhadas por elas é dada como certa quando são convidadas para conhecer a sua ilha. Zoë constrói a ideia de lugar ideal, com direito a piscina, drogas e muita diversão e coloca o espectador no mesmo patamar de informações que Frida. Assim, juntos a ela vamos descobrindo que algo não está tão ajustado nessa história onde os atrativos são mera ilusão. A cor vermelha predomina em um todo na ilha, a mansão é dessa cor. Ficamos a pensar: o vermelho representa paixão ou sangue? Essa pergunta ronda durante um tempo por nós, assim como as cobras e seus venenos.

A diretora acerta quando mostra uma propensão dos seres humanos de se deixarem levar pelo mundo falso dos ricos, de um mundo onde as imagens feitas de ilusão dão o tom artificial que só o dinheiro pode edificar, embora os tijolos e as paredes dele sejam de açúcar. Existe no roteiro uma ideia indutiva de que de tanto sofrermos no cotidiano, de sermos massacrados pelo sistema, esquecemos para poder continuar seguindo nossas vidas. 

Algumas frases tornam-se basilares em Pisque Duas Vezes, como "esquecer é uma dádiva", lema dos ricos abusadores. Por trás dessa ideia escondem-se outras como a da passividade feminina e de abuso sexual e de poder. Zoë Kravitz sabe escolher os planos certos para contar essa história cheia de mistérios e podridão, sem esquecer dos planos impactantes recheados da mais pura violência. E Zoë, soube ainda pensar em um final que fosse inteligente, elegante e divertido. E quem ganha com isso são os espectadores.        

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