Texto por Marco Fialho
Depois de assistir repetidamente No Céu Não Tem Caldo de Cana cheguei a conclusão de que esse pequeno curta é uma atualização queer de um melodrama clássico, em que as emoções são trabalhadas em um registro quase desesperado de dor e levadas a um resultado extremo.
Como um típico melodrama, o final não é dos mais felizes, já que o filme narra fatos tristes em alguns aspectos, como a dor da perda e a dificuldade de se estabelecer uma relação duradoura nos dias de hoje. A história de mais de 40 anos de relação amorosa dos avós do protagonista é usada como um contraponto a dele própria, que se mostra sempre escorregadia e excessivamente conflituosa.
O mais intrigante é constatar que a narração é realizada por uma pessoa morta, mas que esse sentimento se coloca mais como espiritual do que algo efetivo. A morte aqui me soa em um tom mais simbólico do que real, como que o autor tivesse narrando um sentimento que morreu dentro dele. A fotografia de Maye, me remeteu muito as imagens do fotógrafo Christopher Doyle em Felizes Juntos (1997), de Wong Kar-Wai, ao instaurar uma tristeza com os tons verdes acinzentados, que lembra a cor dos corpos mortos. Mais do que a morte em si, é a ideia dela que ronda No Céu Não Tem Caldo de Cana, aliás, desde o próprio título. E há realmente um quê de fatalismo em cada plano filmado. A impressão que fica é que pior do que um sentimento não correspondido é a sua correspondência sem acerto de convivência. É sobre essa morte que o filme especificamente trata.
Aliás, saliento o quanto No Céu Não Tem Caldo de Cana se caracteriza como uma narrativa autocentrada, já que o diretor também atua narrando sua dor amorosa. As músicas me pareceram bastante verdadeiras, doídas e extraídas diretamente de situações vividas, assim como os filmes citados pelos personagens. A música Coração Selvagem, de Belchior, mais no início, sugere uma energia esperançosa, enquanto Eu Não Sei Dançar, entoada por Marina Lima induz à separação e a dor, ao narrar um descompasso entre duas almas que não conseguiram se harmonizar.
Gosto da relação de dubiedade que o diretor Daniel Ricardo cria com a natureza, aquele ir e vir do mar, deixa um sentimento em suspenso: a vida como uma possibilidade de recomeço ou de fim. A vida a balançar e nos arremessar para algum lugar indizível e incompreensível.
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