Pular para o conteúdo principal

ENTRELINHAS (2024) Dir. Gustavo Pasko


Texto por Marco Fialho

Entrelinhas, do diretor Gustavo Pasko, traz para o público mais uma história sobre o processo dolorido que foi o da tortura nos porões insanos da ditadura militar brasileira, mas trazendo como diferencial enfocar em um lugar pouco mostrado habitualmente: o Estado do Paraná. 

O diretor Gustavo Pasko trabalha a brutal prisão da jovem estudante secundarista Beatriz Fortes, acusada de colaborar e pertencer a uma célula da então clandestina organização comunista do Var-Palmares. Chama a atenção a violência e o sangue frio dos militares que comandavam a ação dos interrogatórios. Vale lembrar que o filme parte dos depoimentos de Beatriz à Comissão da Verdade, instaurada durante o Governo da presidenta Dilma Rousseff. 

Entrelinhas realiza um mergulho doloroso e intenso ao mostrar mais a violência dos tratamentos dados aos presos políticos do que o próprio contexto da luta armada, as discussões sobre os caminhos de luta e resistência contra a ditadura militar. Acredito que o filme assim ganha em denúncia embora perca em tensão e reflexão. A proposta do diretor provoca mais uma reação emocional e de revolta do que traz reflexões para se pensar sobre os horrores e o que estava em jogo tanto na política quanto na economia.

O contexto é mais mostrado por meio de campanhas publicitárias ufanista via rádio feitas pelo governo, além de notícias que demonstravam os "avanços" econômicos e os esforços pela "integração" nacional, que visava explorar as riquezas da Amazônia ainda inóspita e selvagem em muitas regiões. 

Se pensarmos no Paraná e na recente "República do Paraná", que esteve à frente mais recentemente de tentativas jurídicas manipuladoras para derrubar os governos chamados de esquerda, tendo o PT como principal artífice, Entrelinhas volta um pouco no tempo para nos fazer entender melhor o caldo conspiratório gestado ao revelar o quão cruel foi o processo de tortura no Paraná no período mais rude e violento da ditadura militar brasileira. 

Me chamou atenção o cuidado com a direção de arte e fotografia para ensejar os porões diabólicos que o filme mostra e como o filme sublinha a frieza dos algozes e seus métodos nada convencionais de tortura e violência. A cena da tortura e assassinato em plena Catarata do Iguaçu vale o ingresso e possui grande impacto dramatúrgico, destaque para Gabriela Freire como a jovem Beatriz Fortes, que consegue dosar coragem, medo e desespero no tom certo. 

Entrelinhas ganha ao enfatizar a denúncia do processo insano da tortura brasileira, ainda tratada com amenidade e benevolência. Claro que bater nessa tecla é fundamental para não deixar que a história se repita novamente, bom lembrar da tentativa recente de derrubada do governo Lula logo no início de seu mandato em janeiro de 2023 e que possuía adeptos militares ávidos para um segundo round dos horrores que cometeram de 1964 a 1986. Mas penso que o tema precisa ser ampliado para que possamos conversar sobre os diversos interesses que estavam envolvidos, cuja a máquina de tortura era mais um dos absurdos cometidos por um governo que entregou o país aos interesses de grandes grupos internacionais, principais financiadores de ontem e hoje. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...