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BAILE DAS LOUCAS (2023) Dir. Arnaud Des Pallières


Texto por Carmela Fialho

Baile das Loucas (Captives), do diretor Arnaud des Pallières, traz a discussão da questão manicomial no hospital da Salpêtrière, na Paris de 1894, utilizado como asilo e hospital psiquiátrico para mulheres. Os antecedentes de prisão que marcam a origem do hospital, a sociedade misógina e a violência no tratamento dispensado às internas cativas marcam esse drama/terror, que suscita uma sensação constante que algo de ruim vai acontecer e cada vez que o filme vai avançando o aprisionamento da personagem principal vai se avolumando.

A personagem Fanni (Mélanie Thierry) se passa por uma paciente psiquiatria com o objetivo de encontrar a mãe internada à força pelo pai há 29 anos atrás. O vazio da ausência da mãe move a personagem a conhecer os meandros do sistema manicomial, onde várias mulheres foram internadas por parentes que as consideravam inadequadas aos olhos da sociedade, por vezes até questões de herança eram motivo para o afastamento de mulheres abastadas do convívio da alta sociedade misógina do final do século XIX.

A loucura é abordada no filme através das histórias das várias personagens que cruzam o caminho de Fanni no hospital, mulheres abusadas sexualmente pelos médicos, submetidas a maus tratos, péssimas condições de higiene e alimentação. No entanto, a sororidade prevalece em vários momentos, principalmente porque através da violência, e outras punições, as funcionárias da instituição buscam impedir movimentos de revolta das cativas, que conspiram para sobreviver nesse ambiente que tem como propósito exterminar as mulheres indesejáveis.

O Baile das Loucas, sugerido no título brasileiro, era um evento anual que acontecia no hospital da Salpêtrière e representava mais uma das humilhações a que as cativas eram submetidas, onde as funcionárias e os médicos as obrigavam a dançar, cantar e fazer apresentações artísticas. O aprisionamento dos corpos e mentes da medicina misógina se contrapõe no filme as estratégias de escape das cativas que em sua maioria não tinham nenhum tipo de doença psiquiátrica.

A temática do filme é bastante pertinente para os nossos dias, pois ainda vivemos uma sociedade que busca aprisionar corpos e mentes no mundo do trabalho, onde a saúde mental é mantida muitas vezes a base de remédios psiquiátricos. 

Do ponto de vista cinematográfico, o filme se desenvolve através de uma narrativa dividida entre a heroína em busca da mãe e as enfermeiras vilãs, optando por uma abordagem maniqueísta das cativas contra as representantes do poder, abrindo mão de problematizar a questão da medicina psiquiátrica que era controlada pelas figuras masculinas responsáveis pelos diagnósticos de loucura. Essa questão só é abordada durante o baile em diálogos efêmeros, onde o foco central do espectador está na fuga de Fanni do hospital.
  
Como resultado final temos um dramalhão que reduz o espectador a ficar torcendo somente para que a personagem principal saia do hospício, como acontece em qualquer filme de aventura escapista. Esse tema merecia algo mais robusto e reflexivo.

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