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ARMADILHA (2024) Dir. M. Night Shyamalan


Texto por Marco Fialho

Chegou a hora de admitir que as estreias de um filme de M. Night Shyamalan não trazem mais aquela expectativa. O desgaste é nítido e Armadilha é mais um filme decepcionante. Não que seja mal realizado ou uma obra insuportável, mas não passa de mais um suspense sem grandes atrativos que veremos e esqueceremos. Até a comparação com Fragmentado (2016) é forçada, porque se a psicopatia os une, o tratamento do suspense se difere e muito. 

Já no trailer de Armadilha, a Warner, distribuidora do filme, entregou informações que tiram parte do impacto que o filme poderia ter, opção questionável e que vem sendo bem criticada. Contudo, é  importante salientar que esse não é o problema maior de Armadilha. Convenhamos que um filme de Hollywood tratar de um psicopata já é tão manjado quanto um espirro em uma noite fria. E o que faz de diferente Shaymalan para transformar sua obra em algo original dentro da temática? Essa é a grande questão a ser respondida. 

O maior esforço de Shyamalan em Armadilha é o de tentar construir diversas viradas na história (o que muitos chamam de plot twist, um estrangeirismo que não cabe) para tentar prender o espectador, embora quase todas as viradas do roteiro sejam bem previsíveis. O que Shyamalan tenta trazer como diferencial é tentar trabalhar o conflito do personagem de Cooper (Josh Hartnett, o melhor de Armadilha) que tenta manter a capa de um pai perfeito enquanto precisa em paralelo mostrar a sua máxima psicopatia, o que na maioria das vezes soa forçado e estranho, pois, afinal, Cooper, o pai, e a filha Riley (Ariel Donoghue), estão em um show de Lady Raven (Saleka Shyamalan), novo fenômeno pop da música adolescente.

Lady Raven é interpretada por nada menos que a filha de M. Night Shyamalan, quase como um lançamento da carreira de sua filha Saleka como cantora pop. Se imaginarmos que na maioria das cenas os números músicas predominam e permanecem em cena durante boa parte do filme, algo de estranho pode ser assinalado como uma estratégia de marketing para trazer à tona o nome de Saleka para lançá-la internacionalmente como cantora pop, e nesse ponto creio que realmente o título Armadilha pode realmente ter um duplo sentido: um fílmico e outro como marketing de lançamento, como uma grande pegadinha, ir ao cinema para ver um filme, mas por detrás de tudo tem um show e uma cantora para ser vendidos.  

Longe aqui de querermos reduzir Armadilha a isso, já que a obra como construção cinematográfica possui seus deméritos próprios. Um deles está na base da própria trama. Cooper é um bombeiro, típico homem médio da sociedade dos Estados Unidos, bombeiro (portanto candidato permanente a se tornar herói), branco, por volta dos 40 anos, casado com uma mulher loira padrão e com dois filhos loiros como os pais. Traçar um perfil psicopata a partir desses elementos é algo nada surpreendente, posto que a maioria dos psicopatas são conhecidos como pessoas as mais padronizadas possíveis. O furo portanto está no roteiro em si, não na tipologia do personagem de Cooper. Lá pelo final, tem uma cena em que Cooper conversa com a esposa e ela admite que suspeita ser o marido o tal do serial killer chamado pela alcunha de açougueiro e diz isso à polícia, entregando mais, que ele estaria no show de Lady Raven. Bem, se Cooper seria um suspeito e a denúncia veio de Rachel (Alison Pill), a esposa, a sua identidade já não seria um mistério. Ou o roteiro quer me convencer que ela fez uma denúncia anônima? De qualquer forma ela deixaria a filha ir com um pai suspeito a um show onde poderia ser preso ou assassinado? Tudo é bem nebuloso, ainda mais que uma das cenas decisivas é a do marido decepcionado com a esposa por ter lhe entregado à polícia, por isso ele volta à casa para cumprir uma vingança. 

Armadilha possui muitos outros furos e cenas forçadas. Outra que me chamou atenção foi a que ele consegue sair da limousine de Lady Raven totalmente cercada ou ainda em uma cena anterior em que entra na mesma limousine quando a casa estava cercada e eis que surge uma passagem secreta que praticamente o leva ao carro. E o que dizer de uma estrela pop sair de um show sem ter um aparato de segurança que a acompanhasse até em casa? E quem realmente apostaria que uma estrelinha dessas pop se arriscaria em enfrentar um psicopata com vários assassinatos nas costas com a determinação com que Lady Raven encarou? Forçado demais, não? 

Não que Armadilha não entregue boas cenas de suspense. Tem ótimos planos filmados no ginásio que são realizados com grande maestria técnica, fora a atuação precisa de Josh Hartnett. A cena da revelação de Cooper como sendo o psicopata é igualmente com muito suspense, com uma utilização excelente do extracampo, quando Lady Raven se tranca no banheiro e não sabemos o que está acontecendo na sala, apenas ouvimos Cooper esmurrando a porta e gritando com a família e com Lady Raven. Porém, essas cenas isoladamente não sustentam a trama como um todo. A grande questão é que ao fim delas, Shyalaman volta para o suspense mais tradicional e para o seu roteiro cheio de furos e equívocos.  

Mais do que pensar no roteiro, acredito que Shyamalan pensou na produção do show de Lady Raven, esse realmente impecável e verossímil. Depois de surpreender o público com tantos filmes com enredos mirabolantes e imprevisíveis como O Sexto Sentido, A Vila, Corpo Fechado e outros que poderiam ser aqui citados, jamais pensaria que Shyamalan viesse com uma armadilha dessas, em especial uma de marketing. E aguardem, pela cena final, parece que está prevista uma continuação. Mas nessa armadilha eu não caio pela segunda vez não.               

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