Texto por Marco Fialho
Quando assisto a um filme como Alien: Romulus eu fico pensando muito sobre qual ideia de cinema pode ser agregada a ele. E minha reflexão está para além do gênero, independente dele ser uma ficção científica permeada pelo thriller e pelo terror. O pensamento acerca de um filme não passa pelo seu gênero, mas sim pelo que ele oferece como cinema, essa arte para lá de centenária e já bem desenvolvida e estudada. Pode parecer essa uma indagação estranha para alguns, mas antes de tudo é fundamental e natural para quem, afinal, vive para pensar cinema.
Então, quero começar essa reflexão pelas qualidades técnicas e narrativas indubitáveis de Aliens: Romulus, como o suspense bem trabalhado e a perfeição do ser alienígena (que segundo o diretor foi inspirado na saga Predador), como um ser asqueroso e repugnante. Outro elemento que prende o espectador ao filme são as inúmeras viradas que o roteiro proporciona. O diretor Fede Alvarez se esmera em criar uma tensão constante, além de caprichar nas cenas de perseguição e ação. Sequer conseguimos pensar sobre o que assistimos, a tensão é tanta que somos completamente envolvidos por ela, ficamos cegos e apenas literalmente passageiros nessa nave, torcendo para que tudo acabe logo e volte à paz.
Alien: Romulus narra a história de jovens exploradores espaciais, insatisfeitos com o trabalho e que partem para uma aventura numa nave abandonada, visando recolher um combustível de grande valor. Mas ao invés de aventura, Rain (Caille Spaeny) e seus amigos encontram o terror e a morte, e precisam ao terem que enfrentar um inimigo em fúria, pronto para matar qualquer ser vivo que apareça à sua frente. Fede Alvarez, impregna esse thriller com a atmosfera claustrofóbica de Alien: O Oitavo Passageiro (1979), que deu origem à franquia. A todo instante sentimos na pele a sensação de enclausuramento dos personagens, acentuada por uma câmera sempre próxima aos rostos, o que nos sufoca por não sabermos se o alien está por perto ou mesmo colado neles. Passamos a ser cúmplices dessa viagem de terror e medo.
Mas enquanto o filme avançava sua projeção na tela, fiquei a tentar extrair dele algum sumo. Acredito sempre que independente de ser um produto voltado para o entretenimento, algo pode irradiar dele. Cinema em última instância existe para discursar sobre algum assunto e fiquei a pensar: "será que um filme bom se reduz apenas a sua capacidade técnica, narrativa, e no caso de um filme de terror a de nos pregar sustos?" Como crítico, tenho um enorme defeito de ficar indagando os filmes e seus propósitos. Enquanto vários filmes produzidos mundo afora fazem questão de evidenciar seus temas e discursos, percebo que os filme vindos de Hollywood cada vez mais se esforçam em ocultar o que realmente querem dizer. Às vezes, se contentam em fazer uma defesa do entretenimento puro e simples: "as pessoas querem ir ao cinema para se divertirem e se distrair das misérias do mundo?" Mas será isso verdadeiro mesmo? Ir ao cinema para ver um monstro alienígena perseguir e matar aleatoriamente pessoas seria mesmo distração ou viver mais do mesmo de uma violência na qual já estamos mergulhados faz tempos? A mentira ficcional do cinema realmente diminuiria o impacto da violência das mortes?
Venho me assustando de como naturalizamos cada vez mais a violência em nome da mentirinha que afinal é a própria matéria-prima do cinema. Pois bem, arrisco-me a dizer que a violência do cinema reflete a ideologia da violência que sustenta o status quo, ou se preferir, o mundo implantado pelas poderosas grandes corporações econômicas na qual o cinema também está inserido. Ou ingenuamente acreditaremos que a indústria do entretenimento está alheia ao mundo do negócios?
Embora pareça que estou fugindo da análise do filme em si, insisto que não. Então voltemos ao sumo que mencionei acima. Alien: Romulus para mim tem um tema sim e ele é por demais sério e crucial, apesar de ser bastante negligenciado: o do outro. O alien nada mais é do que uma força alienígena, portanto exógena, que ameaça a tranquilidade dos poderosos. Ouso dizer, que aliens podem ser todos os seres que cotidianamente são mortos simplesmente por serem o outro no qual não sabemos nomear porque não se quer conhecer, nascido de um impulso de não reconhecimento da alteridade.
Essa ameaça indistinta, não humana e que precisa ser eliminada, nunca é identificável. De onde veio, qual a sua origem? Nessa ideia, um palestino pode ser um alien, um outro que vira fácil inimigo. Um árabe também. Um sírio igualmente. Podem ser taxados de inimigos quem contraria um certo Estado beligerante que posa de democrático e perfeito. As culturas são formas ideológicas e que de uma hora para outra, podem ser eleitas como alvos a serem combatidos e eliminados para que a política do mercado (das corporações financeiras) continue a ampliar suas garras sobre o mundo. Essa dificuldade de lidar com o outro é o que mais me chama a atenção em Alien: Romulus. Exterminar o desconhecido faz parte dessa ideologia que está encruada na indústria do entretenimento e vários filmes estão entranhados dela. Afinal, é na diversão onde mais se propaga e assimila ideologias.
A diferença de Alien - O Oitavo Passageiro para esse de agora está justamente na relação entre Ripley (Sigourney Weaver) e o alien, o tal outro de que tanto falamos acima. Ao outro não é admissível o diálogo, ele é o alvo, sempre. E tudo é construído para ele ser aquela ameaça agressora, como se o espaço fosse de direito nosso ou de algum Estado. Esses filmes jamais perguntam se nós também não somos o outro deles. A absolutização do outro talvez seja a maior ameaça de todas, nós seríamos essa ameaça.
Que texto! Obrigado pela provocação a reflexão!
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