Texto de Marco Fialho
Tudo O Que Você Podia Ser, filme do mineiro Ricardo Alves Jr. (Elon Não Tem Medo da Morte) aposta numa abordagem cotidiana ao trazer 4 personagens LGBTs que se encontram para um momento de despedida. Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares formam esse quarteto tomado pelo afeto, em um híbrido de documentário e ficção. Tudo O Que Você Podia Ser funciona basicamente em duas partes: numa primeira, em que as vemos imersas em seus problemas diários, e uma segunda, onde se encontram para festejar uma forte amizade entre elas. Algumas cenas são nitidamente improvisadas e muitas delas são repletas de beleza e espontaneidade.
No todo, o filme funciona bem, mesmo que não saia de um registro monocórdico, às vezes quase no automático da direção, sem grandes emoções. Há sim uns momentos mais emotivos, quando por exemplo, Bramma visita a mãe que transborda sua decepção por ela ser quem é, e expressa a sua homofobia pedindo a volta de seu filho como era antes. A mesma Bramma ainda é agredida em um ônibus, o que expressa a triste rotina de tantos que não se coadunam com a imagem de hétero muitas vezes exigida pelo meio social. Igui Leal também é agredido enquanto namorava com um boy no carro. São agressões que são expostas no filme e que sabemos o quanto infelizmente são bastante rotineiras no Brasil.
Ricardo Alves Jr. trabalha a câmera em um registro onde tenta amainar a sua presença. Assim, tudo aqui parece ser tão fluido e sem sustos. Cinematograficamente, Tudo O Que Você Podia Ser é de uma leveza que sugere se inspirar nas personagens, as quatro, ávidas por viver sem amarras vindas da família ou das ruas. O filme meio que provoca a ideia de que não cabe ao mundo LGBT praticar uma vingança frente aos transfóbicos ou homofóbicos, apesar que alguns ângulos poderiam proferir uma ideia mais ousada em relação à linguagem, deveras acomodada.
O cinema de Ricardo Alves Jr. prefere se contentar com um não enfrentamento social. Tanto com a mãe quanto no ônibus, Bramma opta por não discutir e toma o silêncio como estratégia de resistência. O mundo é assim e não vamos transformá-lo de pronto, por isso é melhor leva-lo tal como ele é, em suas injustiças, e seguir em frente, impondo suas existências diversas. É uma forma que pode ser questionável de se ver a luta LGBT, embora seja um caminho mais rotineiro e real do que imaginamos.
O diretor, desde a primeira cena, aposta no afeto e acolhimento como estratégia política de resistência. A família de Aisha a recebe e coloca seu bebê recém-nascido no colo dela. Depois, durante todas as cenas das 4 juntas, o que prevalece é o carinho como marca das relações. Não há uma briga ou discussão, só acolhimento e abraços, seja com Aisha lendo os poemas de Bramma ou tomando banho de chuva no quintal também com ele. O cinema de Ricardo Alves Jr. gosta de alternar o aconchego da intimidade com o calor inesperado das ruas, mesmo que os riscos dos lugares públicos representem uma ameaça à população LGBT.
Tudo O Que Você Podia Ser é mais um filme importante por trazer à baila a vida de trans, gays e não binários em uma faceta fundamental: a do cotidiano. E quando faz esse movimento, Ricardo Alves Jr. dá mais um passo para que a população como um todo veja os LGBTs como pessoas, humanizadas e com direito de exercer sua vida como bem entender, além de dar a oportunidade de se ver o quanto diverso o nosso país é e que há beleza nessas existências. Isso não deixa de ser um ato político do cinema de Ricardo Alves Jr..
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