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SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho


Texto de Marco Fialho

Salamandra é um filme de certa forma enigmático e selvagem. Catherine (Marina Foïs) é uma mulher branca, francesa, loira, por volta de 50 anos, disposta a tudo para viver o que não pode durante grande parte da vida, por ter tido que cuidar do pai doente na França até a sua morte. Agora, ela quer explorar a vida e visita a irmã que mora no Brasil desde que casou com um brasileiro (Bruno Garcia). A partir daí, Catherine embarca numa viagem sem limites em busca do seu prazer. 

A história está longe de ser nova, uma mulher europeia se encantando pelos mistérios de países culturalmente diversos, como é o caso do Brasil para Catherine. Não casualmente, o filme é baseado em um livro homônimo do escritor francês Jean-Christophe Rufin, pois reproduz o velho encantamento europeu pelo exotismo do latino-americano. Encontramos aqui, todos os elementos possíveis para mais uma história repleta de lugares-comuns, que já vimos tantas vezes no cinema.

Catherine se rende ao charme do jovem Gil (Maicon Rodrigues), um rapaz negro e pobre da periferia de Recife, mais clichê impossível. Ambos se entregam ao prazer carnal e assim como esperado, a "ingenuidade" da francesa se deixa levar por um golpe pra lá de manjado. Historicamente, fomos vilipendiados pelos europeus e aqui tudo leva a crer que há uma inversão, com os "ladinos" sul-americanos dando a volta nos franceses "otários". Haja fantasia imperialista arrependida para acreditarmos nesse enredo para lá de batido. Salamandra aborda essa viagem lúdica de Catherine explorando o romance interracial entre uma loira europeia e um negro brasileiro. Ela com a mala cheia pela herança do pai recém morto, ele, mais um sobrevivente brasileiro em busca de ganhar algum trocado às custas de um golpe.    

O diretor Alex Carvalho trabalha o envolvimento ilógico dessa mulher, desesperada por prazer e amor, apostando no entorpecimento de sua alma pelos velhos batuques dos pretos brasileiros, que funciona como um gatilho para que Catherine perca de vez o sentido lógico de suas ações e se entregue por total nos devaneios do exotismo. O Carnaval está presente como o ambiente propício e capaz de revelar os desejos e ações das mais loucas e inconsequentes de Catherine (bom registrar que ela toma uns remédios para controlar a ansiedade), que literalmente se deixa levar de corpo e alma pelo som dos tambores. O lado da sedução é igualmente explorado sem limite, tanto que o diretor abusa das cenas de sexo entre Catherine e Gil, quase como um ritual de autoconhecimento. 

Logo no começo do filme, Catherine participa de uma degustação às cegas de vinhos finos e ela afirma que não gostou porque tem um gosto parecido com os pobres daqui do Brasil. Esse cena bate estranho demais, como se classe social ou uma simples condição social pudesse determinar o gosto das pessoas. Há, no mínimo, um preconceito desnecessário nessa afirmativa. Outro chavão de mau gosto é se colocar o personagem negro como um trambiqueiro. 

Em diversas mitologias, a salamandra (título do filme e do livro) está relacionada ao controle do fogo, e por isso são imunes a ele. A salamandra também possui uma representação de pureza, já que o fogo é entendido como um elemento de purificação. Catherine, na trama, está imersa na pureza e se safa de um incêndio provocado por ela mesma. Alex Carvalho constrói a narrativa de Salamandra colocando Catherine como condutora das cenas, isso até torna o filme essencialmente feminino, com um viés que parte da vivência dessa mulher, apesar de enfocar somente o seu lado instintivo. 

Mas o maior problema está em como o filme enfoca o Brasil quando em contato com essa estrangeira. O olhar estrangeiro grita, somos vistos como um país de festa, do Carnaval, trambique, inspirado para o sexo e propenso a atos irracionais. Essa visão simplista do exotismo brasileiro creio ser antiquado e já está para lá de ultrapassado. Ver um diretor brasileiro embarcar nessa ideia é realmente decepcionante. Mas vale lembrar, que o filme tem uma coprodução do Brasil com Alemanha, Bélgica e França, o que de certo justifica essa proliferação de lugar comum sobre o nosso país.  

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