Pular para o conteúdo principal

NOSSO VERÃO DARIA UM FILME (2024) Dir. Zacharias Mavroeidis


Texto de Marco Fialho

Nosso Verão Daria um Filme, produção grega dirigida por Zacharias Mavroeidis, é um misto de comédia romântica e drama LGBT, que pode agradar justamente ao público LGBT, em especial por trabalhar com uma abordagem bem característica do cinema Queer e que dificilmente vai atrair aos cinemas plateias fora desse universo, mesmo que em vários momentos a trama descambe para uma narrativa bem careta, quase família. 

A história parte de dois amigos, Demos (Yorgos Tsiantoulas) e Nikitas (Andreas Labropoulos), numa praia liberal grega, frequentada majoritariamente por um público LGBT e que encontram-se ali para desenvolver ideias para um roteiro de um filme LGBT baseado nas vidas de ambos. O filme se divide entre os supostos trechos do roteiro dessa história e o presente na praia. 

Nosso Verão Daria um Filme é uma típica história que se pretende levar por uma magia que não sabemos ao certo o que é verdade ou ficção. A vida deles vai sendo contada dessa forma e assim vamos nos familiarizando com a proposta de Zacharias Mavroeidis. Demos vem de uma separação, depois de 4 anos com o mesmo namorado (o que faz lembrar o filme brasileiro 13 Sentimentos), e ainda tem uma quedinha por ele. Nikitas faz às vezes daquele amigo, que na verdade queria ser seu namorado desde sempre, um clichezinho bem sem vergonha do filme.

Na praia liberal, vemos a câmera de Zacharias Mavroeidis abusar dos ângulos eróticos do bombado Demos, com direito as vários closes e planos próximos de bundas e paus. Porém essa fissura não ocorre com os corpos menos musculosos, como o de Nikitas, sempre de sunga e sem grandes destaques. Assim, o filme confere um destaque para os corpos ditados pela convencional, inclusive os dos amantes de Demos. Esse olhar estereotipado faz o filme cair no banal, na ideia de corpos que podem ser vendidos, e implicitamente, por exclusão, os que não são vendáveis. Como Nosso Verão Daria Um Filme está francamente inscrito no universo do cinema Queer, creio ser essas observações necessárias de ser colocadas e refletidas.      

Narrativamente, Nosso Verão Daria um Filme chega a convencer, mas devemos ressaltar que a "fórmula" adotada já está bem batida. Inclusive, os intertítulos explicativos (que pertencem ao filme dentro do filme) acabam somando pouco à narrativa, além de cansar um pouco. O melhor do filme é a metáfora do abandono que Zacharias criou em torno da cachorrinha Carmen (que embora não esteja no título brasileiro, está incluída no título original: The Summer with Carmen). Ao meu juízo, a parte dramática do filme se sobrepõe a do humor, que nem sempre emplaca no filme.

A parte em que Nosso Verão Daria um Filme menos emplaca é no que tange ao universo LGBT. Creio que o filme melhor se desenvolva na entrada da mãe de Demos na história, com conflitos e interações bem pertinentes e muito bem defendido pela experiente atriz Roubini Vasilakopoulou. O filme perfila com seus altos e baixos, alternando bons momentos com outros nem tantos, abusando excessivamente de padrões de beleza questionáveis e que servem somente para endossar modelos de consumo já decadentes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras di...