Texto de Marco Fialho
Mundo Novo revela-se uma surpresa. Em meio a tantos filmes lançados com muito alarde e às vezes decepcionantes, eis que este chega na surdina, filmado em 2021, em plena pandemia, trazendo uma curiosa e criativa história de amor interracial, entre Conceição (Tati Vilela), uma advogada negra, e Marcelo (Nino Batista), um artista grafiteiro branco.
Se inicialmente, somos levados a crer que o filme seria centrado nesse fato, logo depois descobrimos algo maior, que ambos precisam de uma assinatura de Charles (Kadu Garcia), o irmão mais velho do grafiteiro, como fiador, para o casal conseguir adquirir um apartamento no luxuoso bairro do Leblon. A diferente e aprazível casa do irmão, situada numa ladeira com linda vista de uma praia do Rio, passa a ser o cenário predominante do filme.
O que temos então é uma análise cuidadosa, imbricada e bem detalhada do racismo estrutural brasileiro. O roteiro, do próprio diretor, é construído junto com os atores e atrizes, o que permite uma troca intensa de experiências que migram da vida para a tela. As contradições que a história vai apresentando e desenvolvendo são importantes para prender a atenção dos espectadores no enredo. Sem falar na contradição territorial, já que os espaços abastados são muito próximos da Favela do Vidigal, apesar da visível falta de diálogo.
Mas não é só o roteiro, a direção e as interpretações que surpreendem em Mundo Novo, há ainda uma expressiva fotografia em preto e branco que dá um suporte imagético à trama ao salientar a interracialidade presente, tanto entre o casal quanto entre as famílias, o que fornece momentos dramatúrgicos muito bem trabalhados, em especial pelo uso da câmera, sempre com ângulos muito bem pensados e reveladores. Apesar do texto preservar uma certa teatralidade, as interpretações conseguem dar força e brilho à encenação.
Entretanto, o ponto alto de Mundo Novo é a minuciosa abordagem que envolve o racismo estrutural (fora a denúncia de etarismo que corre em paralelo). Charles, o irmão mais velho, que vive um relacionamento homossexual com o divertido Carlos (Paulo Giannini), um livreiro, vai revelando uma atitude hostil e dominador em relação ao casal que pretende começar uma vida nova a dois. E ainda tem Kelly (Melissa Arievo), uma jovem mulher preta que é filha da ex-empregada, e que agora a substitui no ofício da mãe, o que revela a herança escravagista tão presente no cotidiano das famílias brancas brasileiras.
Mundo Novo acerta no tom seco da direção, sem grandes firulas, em especial por preservar uma objetividade nas decisões narrativas e dramatúrgicas. A qualidade dramatúrgica, por sua vez, garante uma unidade à narrativa, assim como as escolhas precisas dos planos entrega cenas ricas em contradições. A entrada da família de Conceição no final do filme assegura umas boas risadas, além de bons diálogos ao enredo. O casting maravilhoso do filme é de responsabilidade de Gustavo Melo e Luciana Bezerra (diretores de A Festa de Léo).
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