Pular para o conteúdo principal

CLUBE DOS VÂNDALOS (2023) Dir. Jeff Nichols

 


Texto de Marco Fialho

A maior referência de Clube dos Vândalos, novo filme do diretor Jeff Nichols (Amor Bandido - 2012), sem dúvida é Sem Destino (1969), que talvez  o primeiro até sirva como uma resposta ou mesmo como continuação do segundo, um desdobramento de que o filme de Dennis Hopper propôs, uma resposta a essa cultura de motociclistas paramentados, que se alastrou especialmente após o sucesso do filme. Não tem como negar que a proliferação dessa cultura passa diretamente pela repercussão de Sem Destino

Mas há também abismos incontornáveis entre os dois filmes. Enquanto Sem Destino abordou os motociclistas como uma ideia de liberdade máxima do indivíduo, o de cada um poder traçar o rumo que lhe convém contra o status quo, em Clube Dos Vândalos ocorre o inverso, todos estão presos e imersos a uma ideia de grupo e fidelidade, o que faz o filme se aproximar mais dos clássicos marginais de Francis Ford Coppola, como O Selvagem da Motocicleta (1983), e que parece ter mais inspirado o diretor Jeff Nichols do que Sem Destino

Clube Dos Vândalos parte de um livro de ensaio fotográfico de Danny Lyon. Jeff Nichols narra o filme a partir de uma suposta entrevista de Kathy (Jodie Comer), esposa de Benny (Austin Butler) um dos motoqueiros liderados por Johnny (Tom Hardy), a um ex participante do grupo de motoqueiros. Esse ponto de vista feminino soma muito ao filme, em especial, por salientar o viés misógino e machista desse tipo de grupo excessivamente masculinizado e regido pelo permanente uso da força física dos homens, que resolvem na mão, ou na faca, os principais conflitos.

As atuações lembram muito a de O Selvagem Da Motocicleta, de Coppola, o estilo blasé de interpretação, onde os olhares firmes ou aparentemente indiferentes ditam os comportamentos dos protagonistas. A narrativa do filme respeita essa atitude dos protagonistas e caminha no mesmo pique e abusando dos planos próximos que capturam detalhes de rostos, motos e casacos sempre a dizer muito sobre o que estamos assistindo. Se em Sem Destino a rebeldia dos personagens justificavam um ato rebelde, aqui não há propriamente uma rebeldia contra o sistema, mas uma vontade de estar agregado na segurança do grupo, o que lembra muito as práticas dos mafiosos. As dissidências recebiam punições severas. 

Considero a análise desse filme bastante importante, por enfocar esses grupos que se proliferaram pelo mundo, vendendo uma imagem falsa de liberdade ancorada sobre as motos e onde essas duas rodas podiam levar a individualidade. Mas merece menção o quanto desvirtuada essa ideia se tornou, sendo esses grupos verdadeiras ameaças públicas, basta lembrar das motociatas do ex-presidente Bolsonaro, alavancadas pelo ronco desses motores que demonstram força e independência. A aproximação com práticas fascistas ficou evidente. Se nos Estados Unidos os grupos de motoqueiros se transformaram em partícipes do tráfico de drogas e aderiram ao mercenarismo como matadores de aluguel, aqui aderiram às ideias de extrema direita. 

Clube Dos Vândalos tece uma visão interessante e amarga de uma mulher que teve que enfrentar um poder institucionalizado de um grupo pelo amor de sua vida. Enfrentar por diversas vezes a violência das gangues e a apatia perante o mundo real, em nome de um mundo à parte que só se justificava em si mesmo. Creio que o filme lida bem com as transformações internas que ocorrem nas gangues, de uma dinâmica que os consagrou e os levou igualmente às ruínas.                       

   

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteiramente to

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2024

Nesta página do CineFialho, o leitor encontra todos os filmes vistos no decorrer de 2024, com cotação, um pequeno comentário ou o link para a crítica do filme. 212) A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora COTAÇÃO: 9 Crítica:  A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora (cinefialho.blogspot.com) __________ 211) SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho COTAÇÃO: 3 Crítica:  SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho (cinefialho.blogspot.com) __________ 210) UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM COTAÇÃO: 6 Crítica:  UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM (2024) Dir. Michael Sarnoski (cinefialho.blogspot.com) __________ 209) CASA IZABEL (2024) Dir. Gil Barone COTAÇÃO: 6 Crítica:  CASA IZABEL (2022) Dir. Gil Barone (cinefialho.blogspot.com) __________ 208) TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand  COTAÇÃO: 7 Crítica:  TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand (cinefialho.blogspot.com) __________ 207) BANDIDA: A NÚMERO UM (2024) Dir. João Wainer COTAÇÃO: 4 Crítica:  BANDIDA: A NÚMERO UM (