Texto de Marco Fialho
A maior referência de Clube dos Vândalos, novo filme do diretor Jeff Nichols (Amor Bandido - 2012), sem dúvida é Sem Destino (1969), que talvez o primeiro até sirva como uma resposta ou mesmo como continuação do segundo, um desdobramento de que o filme de Dennis Hopper propôs, uma resposta a essa cultura de motociclistas paramentados, que se alastrou especialmente após o sucesso do filme. Não tem como negar que a proliferação dessa cultura passa diretamente pela repercussão de Sem Destino.
Mas há também abismos incontornáveis entre os dois filmes. Enquanto Sem Destino abordou os motociclistas como uma ideia de liberdade máxima do indivíduo, o de cada um poder traçar o rumo que lhe convém contra o status quo, em Clube Dos Vândalos ocorre o inverso, todos estão presos e imersos a uma ideia de grupo e fidelidade, o que faz o filme se aproximar mais dos clássicos marginais de Francis Ford Coppola, como O Selvagem da Motocicleta (1983), e que parece ter mais inspirado o diretor Jeff Nichols do que Sem Destino.
Clube Dos Vândalos parte de um livro de ensaio fotográfico de Danny Lyon. Jeff Nichols narra o filme a partir de uma suposta entrevista de Kathy (Jodie Comer), esposa de Benny (Austin Butler) um dos motoqueiros liderados por Johnny (Tom Hardy), a um ex participante do grupo de motoqueiros. Esse ponto de vista feminino soma muito ao filme, em especial, por salientar o viés misógino e machista desse tipo de grupo excessivamente masculinizado e regido pelo permanente uso da força física dos homens, que resolvem na mão, ou na faca, os principais conflitos.
As atuações lembram muito a de O Selvagem Da Motocicleta, de Coppola, o estilo blasé de interpretação, onde os olhares firmes ou aparentemente indiferentes ditam os comportamentos dos protagonistas. A narrativa do filme respeita essa atitude dos protagonistas e caminha no mesmo pique e abusando dos planos próximos que capturam detalhes de rostos, motos e casacos sempre a dizer muito sobre o que estamos assistindo. Se em Sem Destino a rebeldia dos personagens justificavam um ato rebelde, aqui não há propriamente uma rebeldia contra o sistema, mas uma vontade de estar agregado na segurança do grupo, o que lembra muito as práticas dos mafiosos. As dissidências recebiam punições severas.
Considero a análise desse filme bastante importante, por enfocar esses grupos que se proliferaram pelo mundo, vendendo uma imagem falsa de liberdade ancorada sobre as motos e onde essas duas rodas podiam levar a individualidade. Mas merece menção o quanto desvirtuada essa ideia se tornou, sendo esses grupos verdadeiras ameaças públicas, basta lembrar das motociatas do ex-presidente Bolsonaro, alavancadas pelo ronco desses motores que demonstram força e independência. A aproximação com práticas fascistas ficou evidente. Se nos Estados Unidos os grupos de motoqueiros se transformaram em partícipes do tráfico de drogas e aderiram ao mercenarismo como matadores de aluguel, aqui aderiram às ideias de extrema direita.
Clube Dos Vândalos tece uma visão interessante e amarga de uma mulher que teve que enfrentar um poder institucionalizado de um grupo pelo amor de sua vida. Enfrentar por diversas vezes a violência das gangues e a apatia perante o mundo real, em nome de um mundo à parte que só se justificava em si mesmo. Creio que o filme lida bem com as transformações internas que ocorrem nas gangues, de uma dinâmica que os consagrou e os levou igualmente às ruínas.
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