Texto de Marco Fialho
Alguns filmes chamam atenção pelo que tem de exótico e diferente. Esse é o caso do sui generis Casa Izabel, de Gil Barone. Apesar de ser todo filmado no mesmo ambiente, a Casa Grande Izabel, o filme apresenta camadas temporais visíveis, desde o nome da fazenda que remete ao passado colonial e patriarcal brasileiros até o tempo presente do filme, já que a história se passa nos anos 1970, em plena ditadura militar brasileira.
O exótico do filme são os personagens serem militares e se hospedarem numa longínqua fazenda para viver uma fantasia: a de viverem como mulheres, bem no estilo cross-dressing, escondidos de suas esposas, que pensam que eles estão isolados de tudo e de todos numa pescaria. O filme trata então de uma só vez tanto da hipocrisia desses personagens quanto dos sonhos desses oficiais, que em paralelo a sua vidinha de homens socialmente empoderados pelo poder da ditadura, vivem momentos fantasiosos como estrelas de cinema e outras mulheres glamourosas.
Há um clima e um sentido de decadência impregnados em cada cena filmada, que unificam o passado patriarcal à ditadura, agravada pela presença de Leila (Jorge Neto, numa interpretação marcada por uma forte presença cênica), talvez a única personagem assumidamente queer do filme e de Dália (Laura Haddad), uma tia que a adotou como filha. A relação entre os militares cross-dressing e as duas chega ser humilhante, já que ambas trabalham como um tipo de mucamas deles.
Quem comanda a fazenda é Izabel (Luís Melo, como sempre arrasando na sua composição), detentora desse encontro escondido dos militares que frequentam o lugar como se fosse um clube, onde determinadas fantasias são permitidas. Todavia, o clima hipócrita predomina, já que como bons militares que são, impõe regras de condutas rigorosas, não podendo, por exemplo, ter fornicação na Casa Izabel. Claro que esta é uma regra difícil de manter, já que um dos militares tem um caso com Dália.
Apesar do inusitado da história possuir seus atrativos indubitáveis, é preciso pontuar que o roteiro tem lá seus problemas. A situação de Dália conseguir aprisionar sozinha um homem forte é excessivamente forçada. Como o amordaçou e amarrou no depósito em anexo à casa principal sem que sua presença levantasse suspeita de nenhum dos militares? Fora que esse personagem pouco acrescenta a história e a relação dele com Dália é bastante obscura e sem sentido, pois seu filho já se encontrava preso e ela não passava de uma serviçal numa fazenda em um inóspito interior. A resolução do filme também soa igualmente forçada e sem grande impacto, mesmo que o incêndio em si seja uma ideia plausível, a construção como um todo dele não é tão bem executada.
Mas devemos reconhecer que o diretor Gil Barone consegue alguns bons momentos na montagem, em especial em uma sequência em que combina cortes rápidos entre cenas diferentes, em espaços diversos, buscando uma relação entre eles. A combinação mais interessante, sem dúvida, é a que Dália transa com um dos militares, enquanto outros militares caçam, e Izabel assiste a um vídeo antigo dos encontros na casa, e Leila toma banho numa banheira com rosas enquanto o som de dois tiros diferentes unificam duas mortes. A diálogo entre essas cenas cria um simbolismo potente, de uma ideia de selvageria e acaso fantástico. Talvez seja aí o melhor momento do filme enquanto realização cinematográfica.
Casa Izabel pode sim ser considerada uma experiência diferenciada, estranha e corajosa de Gil Barone, mesmo que no todo se possa notar algumas incongruências do roteiro e da direção. Fiquei a refletir se Gil Barone queria realizar uma metáfora sobre o período dos governos autoritários dos militares ou se queria mostrar o quanto o patriarcalismo advindo do período colonial perpassava tanto a época retratada quanto a nossa, ainda mais que o filme foi filmado em pleno governo Bolsonaro. Se por um lado podemos lamentar algumas imprecisões interpretativas que Casa Izabel traz em seu bojo narrativo, por outro louvamos a força histórica de sua abordagem sem medo de ousar, inclusive na parte sonora perturbadora e a criar um suspense interessante e oportuno, sustentado por boas interpretações dos personagens.
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