Texto de Marco Fialho
É sempre bom ver um projeto que tem o selo do prestigiado grupo Nós do Morro. É o caso de A Festa de Léo, dirigido pela dupla Luciana Bezerra e Gustavo Melo. É melhor ainda constatar o quanto os atores e atrizes do grupo se transformaram em atores que dominam a mise-en-scène, que conhecem bem os meandros da atuação.
Cintia Rosa, no papel de Rita, é o grande destaque do elenco de A Festa de Léo, como a mãe obstinada e honesta disposta a tudo para realizar a festa de 12 anos do seu filho Léo (Nego Ney, também defendendo muito bem o seu personagem). Como é bom ver um elenco que afirma os negros como protagonistas de sua própria história, com subjetividade, sonhos, vivendo e tentando acertar na vida dura do cotidiano. E melhor ainda ver um filme sobre o cotidiano de uma favela carioca pelo viés de uma mulher.
Embora desfrutemos de um enredo posto em tela de maneira correta, fiquei no todo com uma impressão de incompletude. Podemos dizer que A Festa de Léo passa por nós sem grandes sustos, mas igualmente sem chegar a entusiasmar. Passamos até leve por ele, em especial por reconhecermos aquela narrativa, aqueles tipos de interpretações e aquele enredo. O filme chega a nós como um pão gostoso e requentado. Falta algum frescor narrativo, pois tudo o que vemos ali possui elementos cinematograficamente bastante familiares. É um tipo de degustação prazerosa, apesar de uma ausência de surpresas no decurso de toda a projeção.
Quando dizemos que nada surpreende em A Festa de Léo, queremos dizer que parece que estamos assistindo a um filme realizado há uns 20 anos atrás. Isso é um sinal importante que mostra o quanto o nosso cinema mudou nesse período e isso é muito positivo. A impressão que me bateu foi que o roteiro do filme ficou guardado durante todo esse tempo, esperando a oportunidade de ser filmado e quando ela enfim veio, transpareceu o quanto esse roteiro sofreu uma defasagem pela ação implacável do tempo, que nem mesmo a utilização de drones nas filmagens foi capaz de resolver (ainda mais que não é uma questão meramente técnica), muito pelo contrário, soou forçado, como na sequência de abertura em que a câmera flutua pela favela até se fixar na casa de Rita, algo que realmente não seria imprescindível de ser mostrado daquela maneira. Creio que mesmo a importante perspectiva feminina de A Festa de Léo não basta como algo que alce o filme para uma singularidade, pois apenas apresentar esse viés não é o suficiente para fazer dessa narrativa especial.
Não há como negar que a grande onda de filmes desencadeada logo após o sucesso internacional de Cidade de Deus (2002), a dos chamados "favela movie", foi expressiva no cinema brasileiro trazendo temas diretamente envolvidos com o tráfico de armas e de drogas nas favelas dos grandes centros urbanos, em especial as do Rio de Janeiro. Filmes como O Home do Ano (2003) e Tropa de Elite (2007), são bons exemplos dessa fase marcante de nosso cinema. Mas todos esses filmes tinham como característica básica serem dirigidos por cineastas brancos e advindos das camadas médias dos grandes centros urbanos e tinham protagonistas homens.
Esse é um dos diferenciais de A Festa de Léo, o de ser um filme que nasce da vivência do próprio território abordado. Mas o quanto isso faz o filme ser um diferencial frente a outros com a mesma temática? Essa é uma perspectiva que precisa ser analisada com cuidado, pois uma precipitação pode levar a alguns equívocos. Creio que um primeiro ponto a ser abordado deva ser o do enfoque temático, averiguar como os diretores enfrentaram essa questão.
Por mais que A Festa de Léo traga em seu bojo uma história focada bem mais no universo de uma família do que uma abordagem do tráfico nas favelas, aqui a do Vidigal na Zona Sul carioca, é decisivo o envolvimento do pai Dudu (Jonathan Haagensen) com o tráfico, mesmo que seja apenas como usuário de cocaína. É o seu comportamento que levará aos conflitos que serão desencadeados no filme. O que mais me incomoda no filme é justamente essa recaída que a trama dá para o "favela movie", onde alguns estereótipos acabam gritando na tela, como a do homem malandro da favela, inclusive todos os que mais aparecem em cena fazem esse tipo (ou são traficantes), o que me incomoda por estigmatizar uma visão unidimensional dos tipos humanos naquele território. A marca multidimensional da representatividade feminina se contrapõe a uma visão unidimensional ao reduzir o espectro masculino ao vício e à bandidagem. Sim, mas essa é uma visão que vem de dentro do território e isso realmente é o mais impactante, que o roteiro de A Festa de Léo não consiga extrair uma visão mais ampla dessa história familiar.
Embora A Festa de Léo tenha bons momentos, alguns até criativos, como a cena em que a filha mais velha da amiga aparece como protagonista em uma novela, que de certa maneira emula a própria situação que ocorreu com vários atores e atrizes do grupo Nós do Morro, e se preocupe em trazer participações de diversos artistas que passaram pela história do grupo, na maioria das cenas vemos um filme calcado em um roteiro frágil, sem grandes inspirações, com muitos personagens e com um arco dramático pouco desenvolvido, além de um enredo por demais previsível.
Mesmo assim, independente das observações críticas que estamos proferindo, A Festa de Léo é importante de ser visto, por trazer boas atuações e diversas participações especiais, como Neusa Borges, Juan Paiva, Babu Santana, Roberta Rodrigues e o luxo de se ter a presença coadjuvante e iluminada cenicamente de Mary Sheila (estupenda demais, engraçadíssima em várias cenas como a melhor amiga de Rita), o que reafirma o talento do grupo Nós do Morro para a dramaturgia brasileira. Outro aspecto positivo é ver a continuidade de um trabalho de anos desse grupo, que gerou e continua gerando artistas provenientes de territórios que antes não tinham espaço como agentes de sua própria história.
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