Texto de Marco Fialho
O Mal Não Existe é o filme mais engajado politicamente do diretor japonês Ryusuke Hamaguchi. Depois de obras mais filosóficas e existenciais como Roda do Destino (2021), Drive My Car (2021), Asako I & II (2018), o diretor aterriza na denúncia contra o ambicioso mundo da impessoalidade e arrivismo capitalistas. O que Hamaguchi imprime é uma narrativa exponencial, amparada em um misto de encanto e revolta.
Em O Mal Não Existe vemos um diretor em franco processo de amadurecimento técnico, apegado à simplicidade e disposto a colocar as cartas na mesa. A história narra a vida de uma pequena comunidade que vive à margem de uma floresta próxima a Tóquio, moradores conscientes dos benefícios de se ter uma vida com acesso a uma água límpida e usuários sustentáveis dos bens naturais que o cercam. Takumi (Hitoshi Omika) é o personagem central, que vive isolado com sua jovem filha de 12 anos e o maior conhecedor da natureza do local. A implantação de um grande hotel travestido de um projeto de Glamping (camping com glamour), cujo objetivo é atrair pessoas de Tóquio que querem usufruir de uma temporada de tranquilidade, sem precisar ir muito distante da cidade grande.
O que considero bastante interessante em O Mal Não Existe é como Hamaguchi vai cena a cena construindo sua história. A primeira cena é puro encantamento, um longo plano em contra-zenital das copas das árvores, em que o diretor vai nos seduzindo acerca do território que em breve será posto em contenda, nos convidando a contemplar sua beleza natural. O ato de conectar espectador com o espaço é fundamental para que compremos a briga dos moradores locais contra os tubarões capitalistas.
A sequência capital é a da reunião entre a empresa exploradora do Glamping e os poucos moradores da pequena cidade, que vivem em harmonia com a natureza. Essa reunião é decisiva para o filme por traduzir com exatidão a indiferença do capital em relação ao humano, a ponto dos responsáveis pelo empreendimento não aparecerem no encontro e colocar um funcionário e uma funcionária especialmente contratados para responderem por questões que não competem a eles, o que mostra uma indiferença atroz dos grandes investidores frente aos moradores. Nesta reunião fica evidente que o projeto não leva em conta a qualidade de vida desses moradores. Hamaguchi denuncia esse mundo do faz de conta, onde os empresários fingem estar cuidando das populações, quando na verdade só se interessam em seus próprios lucros com os seus negócios.
O que Hamaguchi deixa entrever em sua narrativa é que o mal não existe por si, justamente porque ele é um mal provocado pelos homens, pela ganância sem limite de megas empresários que negligenciam não só as vidas humanas como também a de vários seres vivos. O diretor não se furta a apresentar os meandros do desinteresse pela vida demonstrado pelos empresários que se escondem por meio de reuniões virtuais, sem o menor comprometimento com a qualidade de vida de quem habita o lugar a ser explorado por eles. O desprezo passa a ditar as decisões, amparado pela ambição desenfreada e obtusa de se ganhar cada vez mais dinheiro e poder, custe o que custar para a população e seres vivos em geral.
Se podemos dizer que Hamaguchi abandonou seus filmes mais intimistas para encarar em O Mal Não Existe uma obra mais política e engajada, também podemos afirmar que sua mudança de eixo foi bem sucedida, especialmente por nos fazer comprar a ideia da qualidade de vida do lugar, antes de realmente instaurar o conflito político. Isso tudo amarrado a uma linguagem de um cinema contemplativo, capaz de incorporar à forma fílmica a temporalidade do universo que Hamaguchi pretende defender, dedicando a nós, de uma só vez, uma aula de cinema e de vida.
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